Porque necessitamos de instituições que nos representem – por Susana de Castro

Porque necessitamos de instituições que nos representem – por Susana de Castro

Susana de Castro é professora de filosofia da UFRJ, autora de vários livros, entre eles “Filosofia e Gênero” (ed. 7Letras). Ela escreveu o texto que segue pensando na nossa #partidA.

A #partidA no Rio de Janeiro:

Porque necessitamos de instituições que nos representem

por Susana de Castro

Hoje, passadas três décadas da chamada ‘segunda onda do feminismo’, podemos concluir que a sociedade patriarcal foi afetada na sua estrutura, mas não mudou substancialmente. Até a década de setenta, as mulheres da classe média eram socialmente reconhecidas na medida em que encarnavam o mito da domesticidade. Com o aval da igreja e do Estado exerciam os papéis de mães e esposas dedicadas. Na esteira da descoberta da pílula e da contracultura, o feminismo cresceu como um movimento político reivindicatório. Não havia mais nenhuma base legal ou religiosa legitima que justificasse a exclusão de metade da população mundial da esfera pública do trabalho e da política. Desde o momento em que os dispositivos legais contra a discriminação garantiram a igualdade de oportunidade de empregos, houve um crescimento da população universitária feminina. Advogadas, médicas, administradoras de empresas, gerentes, funcionárias públicas foram ocupando espaços antes reservados apenas aos homens. Até aqui tudo parecia correr às mil maravilhas, mas o que constatamos é que a mudança foi significativa, mas não transformadora. A estrutura de distribuição desigual de poder político e econômico não foi seriamente abalada. A massa de mão de obra feminina mal remunerada continua superior a dos homens. O número de mulheres ocupando postos de chefia ainda é muito inferior, e na comparação salarial, as mulheres ganham menos que os homens em quase todas as categorias. Na verdade, ainda que as mulheres trabalhem a mesma quantidade de horas e com a mesma competência que os homens, as empresas e escritórios lucram mais pagando menos às mulheres. Se o mercado de trabalho fosse de fato meritocrático como defendem a classe política e a classe empresarial, então seria de esperar que homens e mulheres concorressem em igualdade de condições aos postos de emprego, mas não é o que se verifica. O sistema patriarcal conseguiu por freio às conquistas das mulheres com a criação do ‘mito da beleza’ (Wolf, 1991). Com a ajuda dos meios de comunicação de massa difundiu-se a ideia de que a mulher ‘de verdade’ deveria acima de tudo ser ‘bela’. Quem deveria julgar a beleza feminina? Os homens, é claro. Impôs-se um padrão de beleza ideal, o das modelos magérrimas e jovens. Assim, a década de oitenta viu florescer o ‘mundo do mito da beleza’: a propaganda de cosméticos, de cremes rejuvenescedores, de dietas mirabolantes, de vitaminas e remédios e de moda. Não bastasse ter que manter-se atualizada para disputar os postos de trabalho, as mulheres agora tinham que se preocupar com aparentar juventude e leveza. Essa preocupação adicional acabou tendo várias consequências ruins. As mulheres foram abaladas na sua autoestima. Passaram a ter que constantemente policiar o seu corpo, comparar ele com o de outras mulheres mais jovens, mais magras. Jamais o ideal monolítico de beleza propagado pela mídia poderia ser alcançado satisfatoriamente e essa distância foi proposital, pois, por um lado, tornava as mulheres novamente grandes consumidoras (posto já ocupado anteriormente, no papel de dona de casa), e, por outro, a insegurança que gerava as tornavam mais vulneráveis e dóceis. Do ponto de vista da política, o mito da beleza foi um desastre para o feminismo. Além da dupla jornada de trabalho, no emprego e em casa, as mulheres passaram a ter uma terceira, a jornada da beleza. A beleza exigida, não era a natural, mas a produzida por maquiagem, cremes, loções. Sua ‘produção’ implicava no dispêndio de tempo em ginástica, dieta, cabeleireiro, lojas de roupa. Não sobrava tempo para mais nada, muito menos para a discussão política. Por outro lado, o mito da beleza, gerou a ‘pornografia da beleza’ (Wolf, 1991). A mulher foi fetichizada, isto é, a imagem do seu corpo foi apropriada pelos meios de comunicação de massa como um produto, um objeto qualquer. A comercialização do corpo da mulher, utilizado na propaganda para vender carro, cerveja, entre outras coisas, tem gerado em todas as partes do mundo ocidental um desastre nas relações entre homens e mulheres. O aumento da violência e do estupro entre os jovens é uma prova disso. Esse desastre ocorre porque a mulher fetichizada pela propaganda, pela TV e pelo cinema propaga a mensagem de que a relação do homem com a mulher é uma relação de posse, na qual você usa e depois descarta, como um barbeador.

Diante deste quadro assustador, não nos surpreende que a #partidA tenha encontrado tanto apoio entre mulheres e homens. As mulheres buscam a #partidA seja porque se cansaram da ditadura da beleza, seja porque querem encontrar um coletivo no qual estejam junto com outras mulheres buscando alcançar um objetivo comum, e não competindo umas com as outras pelo troféu da beleza e da juventude. Por outro lado, há homens que também querem participar desse movimento, pois querem viver a experiência de um encontro verdadeiramente igualitário, com mulheres igualmente livres e dispostas a agir em prol de suas bandeiras coletivas.

Rio de Janeiro, 14 de julho de 2015

Nancy Spero. Never heard of her.

Deixe o seu comentário

Novembro

TV Cult