Paulo Francis por ele mesmo

Paulo Francis por ele mesmo

Uma entrevista até hoje inédita com o maior colunista da imprensa brasileira sobre suas idéias, seu método de trabalho e sua biografia

Thales Guaracy

Há dez anos e meio, desembarquei em Nova York para uma reportagem sobre os jornalistas que integravam o programa Manhattan Connection, do GNT, então conhecido como o primeiro canal a cabo a fazer sucesso na TV brasileira. Minha missão era entrevistar três mosqueteiros da imprensa, integrantes do programa – Lucas Mendes, Nelson Motta e Paulo Francis – e fotografá-los diante de um táxi amarelo, uma instrução específica, com o objetivo de caracterizar a cidade de Nova York. Assim, fiz uma entrevista com Paulo Francis que, por circunstâncias só explicáveis pelo temperamento ciclotímico do maior colunista da imprensa brasileira em todos os tempos e por um chefe que fazia questão absoluta do táxi amarelo, permaneceu inédita até aqui.

Feita originalmente para a revista Exame Vip, na qual eu trabalhava, a entrevista foi vetada pelo próprio Francis, que se negou, depois de concedê-la, num gesto típico seu, a posar com o tal táxi. “Não é nada contra você, que é um rapaz simpático”, disse ele, “mas essa história de táxi amarelo é ridícula. Não faço isso. E digo mais: da próxima vez que aparecer na imprensa, será como capa da revista Veja.” Sem saber, ele estava sendo profético. De fato, seis meses mais tarde, morto por um ataque cardíaco em seu apartamento, Francis seria o personagem da capa de Veja. E minha entrevista com ele ganharia forma de documento histórico, hibernando em uma gaveta.

Ao retornar a São Paulo, em junho de 1996, com a entrevista de Francis desautorizada para publicação, e sem a foto encomendada, a revista Exame VIP decidiu que, em vez dos três mosqueteiros do Manhattan Connection, eu faria apenas um perfil de Nelson Motta, apresentado como uma espécie de embaixador brasileiro em Nova York.

Minha missão com a revista estava cumprida. Guardei as fitas com a entrevista de Francis como uma lembrança pessoal. Na conversa, à mesa do restaurante Bravo Gianni, seu favorito, surgiu um relato completo de Paulo Francis sobre ele mesmo, desde seu início como figurante de teatro, depois crítico cultural e, por fim, colunista político. A conversa avançou sobre questões pessoais, como sua deficiência visual, que o levou a se tornar uma pessoa introspectiva. “Sabe”, ele me disse, com os óculos na mão, a olhar o vazio, “eu tenho olhos ruins”. Ele discorreu a respeito de sua ideologia e seu método de trabalho – chegou ao requinte de fazer um curso sobre a bomba atômica para tratar do assunto com mais propriedade. Mostrava-se um profissional detalhista, uma pessoa sistemática e um homem extremamente afável, mas capaz de se tornar subitamente mal-humorado – reviravoltas que eu pude sentir na pele.

Dez anos depois da morte de Francis, a publicação de sua entrevista esquecida colabora para lembrá-lo. Creio que ele, onde estiver, perdoará.

THALES GUARACY – Alguém me disse que você passou um apuro com o seu gato no fim do ano. É verdade?
PAULO FRANCIS –
Meu gato teve um enfarte. Eu tinha ido a Roma, queria passar uma semana lá, depois outra em Veneza. Já tinha ficado uma semana em Londres. Sozinho. Para relaxar um pouquinho. Não tenho férias, né? Aí ele teve o enfarte! Tive de voltar.

T.G. – E como estava o gato?
P.F. –
Ah, estava só meio de boca mole… Levei-o a um hospital de animais, na rua 60, que parece desenho animado… Todos aqueles bichos passando de maca… E lá cuidaram dele, está fazendo tratamento. Nós (ele e a mulher, Sonia Nolasco) temos três gatos. Esse é o Bundeca, um gatinho muito safado, engraçado. Agora ele está bem, mas tem de tomar fluidos, três vezes por semana.

T.G. – O resto da viagem foi cancelado?
P.F. –
Ué, que eu posso fazer? Não tenho ninguém para resolver isso, assim, na última hora. Tenho três empregos, ela (a mulher) trabalha como uma louca…. Nós precisávamos de alguém trabalhando para nós, uma baby-sitter ou coisa assim. Temos de ficar lá, vigiando o gato, dando injeção nele. Normalmente, um amigo meu, íntimo, passa uns tempos aqui, em Nova York, no fim do ano, e fica tomando conta dos gatos enquanto viajamos. Não vou fazer um amigo meu cuidar de um gato doente. Só que eu preciso dessas duas semanas de descanso. Trabalho muito, escrevo muito. Tem a televisão (sua coluna diária na TV Globo), mas o que me dá mais trabalho mesmo é escrever para jornal (O Estado de S.Paulo). Tenho de me manter a par de tudo o que está acontecendo… Este vai ser um ano de eleição aqui…

T.G. – Há quanto tempo você está aqui?
P.F. –
Há quase 25 anos. Cheguei a Nova York em junho de 1971.

T.G. – Você se lembra da primeira vez em que pisou nessa cidade?
P.F. –
Isso foi há muito tempo. Pisei aqui a primeira vez em setembro de 1954. Pouco depois do suicídio de Getúlio Vargas. Vim tentar fazer um mestrado na área de teatro, na Universidade Columbia. Eu me interessava muito por teatro. Interesso-me até hoje. Naquela época, era paixão.

T.G. – No período em que você ficou na Universidade de Columbia, já trabalhava?
P.F. –
Não. Meu pai morava aqui, em um apartamento na 55, West Side. Eu morava com ele. Só no verão, uma vez, trabalhei como vendedor em uma livraria, mas era fantástico. Certa vez, eu estava em um bar – bebia muito, nessa época –, que tinha uma TV ligada. A televisão estava apenas começando. Apareceu um sujeito todo estranho, chamado Elvis Presley, no programa de Ed Sullivan. Foi assim que vi Elvis Presley, na sua estréia, pela primeira e última vez. Cinema custava 50 centavos, não tinha inflação nenhuma. Começou a ter um pouquinho de inflação nos Estados Unidos com a Guerra do Vietnã. Antes, a vida era baratíssima. Com um dólar, você comia bife de fígado com batatas fritas e uma Coca-cola.

T.G. – Sua intenção era continuar a fazer teatro?
P.F. –
Passei três anos estudando aqui, em Nova York, mas não fiz mestrado. Voltei ao Brasil para dar uma olhada. Comecei a ver teatro intensamente. Trabalhei como ator, um tempo, e diretor de teatro. Acabei sendo crítico. Fui crítico de teatro no Diário Carioca e no Última Hora.

T.G. – Como foi sua experiência como ator?
P.F. –
Eu fiz Frei Lourenço, do Romeu e Julieta… (o carpinteiro Jacob), Engstrand, no Espectro,  de Ibsen…

T.G. – Como você entrou para o teatro?
P.F. –
No Teatro de Estudantes, com o Pascoal Carlos Magno, um grande animador do teatro brasileiro. Eu não tinha nada que fazer, estava brigado com meu pai – que estava farto, furioso comigo, porque eu não fazia nada. Aí vi um anúncio de que precisavam de pessoas para a temporada de teatro no Norte e Nordeste. Eu sou do Rio, nunca havia ido ao Norte, ao Nordeste. Era muito novo, tinha 20 anos. E me apresentei para segurar lança, essas coisas… Fazer alguns extras. Aí me ofereceram alguns papéis. Eu dizia, mas como? Nunca havia ­pensado em ser ator. Tenho esse problema de vista (segura os óculos de aro de fundo de garrafa, examina-os com seus olhos esbugalhados), é uma vista muito ruim. Ensaiamos meses para essa temporada e fomos. O Getúlio Vargas deu (à companhia de teatro) um avião DC-3, não sei se você já ouviu falar.

T.G. – Já tomei esse avião no Quênia.
P.F. –
Está vendo? Pelo que me consta, esse avião nunca caiu. No Brasil, era o avião do Correio Aéreo Nacional. O Getúlio nos deu passagem e voávamos com o Correio. Na verdade, o Getúlio, como todo político, deu só metade das passagens. Nós fomos de Manaus a Recife. Fui um dos poucos atores brasileiros que se apresentaram em Teresina… Nós nos apresentamos também em São Luís do Maranhão, Natal, João Pessoa. Nunca mais voltei. Eu tenho um amigo agora que está fazendo um jornal diário em Manaus. É uma cidade muito simpática, mas é muito calor. Meus óculos em Manaus ficavam embaçados. Precisavam inventar um pára-brisa para óculos. Eu faria uma patente com isso e ficaria rico lá. Com o dinheiro, iria morar em Cannes, na França.

T.G. – Como você virou crítico?
P.F. –
É interessante porque nada do que fiz foi planejado. Foi tudo ao sabor do momento. Essa história de crítico de arte, com o qual eu me tornei bastante conhecido, por exemplo: não tinha a menor intenção. Entrei para ajudar uns amigos meus que faziam críticas, para ver se a gente moralizava o teatro brasileiro. Moralizar artisticamente, quero dizer. Parar de alojar espetáculo longe, por exemplo. No Última Hora, eu trabalhava criticando televisão. Naquela época, em 1962, não havia nada para criticar na TV (porque havia poucos programas). Aí eu passei a me concentrar nos problemas políticos. E criticava os políticos. O Samuel Wainer, o proprietário do jornal, gostou tanto que me colocou como crítico político. Foi acidental.

T.G. – E como voltou a morar em Nova York?
P.F. –
Em 1964, quando houve o acontecimento militar, quer dizer, quando foi derrubado o João Goulart e os militares tomaram o poder, eu tinha a coluna no Última Hora, na qual atacava muito os militares. Não exatamente os militares, mas eu defendia teses às quais eles pareciam ser contrários. Perdi os empregos, fiquei três anos fazendo textos anônimos. Depois voltei para o Correio da Manhã, aí fui preso. Até o Ato Institucional Número 5, fui preso quatro vezes.

T.G. – Ficou muito tempo na cadeia?
P.F. –
Dois meses, cada vez. Começou a tornar-se mais difícil depois que escrevi um artigo sobre minha infância no Colégio São Bento e outro artigo sobre uma ópera de Wagner, que não tinham nada que ver com a política brasileira. Pensei: ‘Bom, esses caras estão querendo me impedir de ganhar a vida.’. Pedi para trabalhar em O Pasquim, na Tribuna da Imprensa e na televisão. Obtive uma bolsa de 15 meses da Fundação Ford. E vim para cá em 1971.

T.G. – De que forma se instalou?
P.F. –
Eu tinha algum dinheiro. Morava muito bem, no Greenwich Village. Isso porque fui também professor visitante da Universidade de Nova York, com direito a morar em um prédio de apartamentos da instituição. Fiz lectures sobre jornalismo e política. Depois a minha vida melhorou muito, quando passei a trabalhar na revista Visão, que era de propriedade do Said Farah, um homem inteligente lá de São Paulo. E em 1975, fui para a Folha de S.Paulo. Na época, como o maior salário de correspondente da Folha. Primeiro eles me pagaram freelancer para que eu cobrisse a morte do generalíssimo Franco, na Espanha, em 1975. Gostaram do meu trabalho e me contrataram. Em 1981, entrei para a TV Globo. Em 1990, saí da Folha e fui para O Estado.

T.G. – Qual foi a sua reportagem mais interessante?
P.F. –
Reportagem não é o meu forte, sou mais um comentarista. Eu não sei não. Estava muito orgulhoso, em 1974, da cobertura que eu fiz do escândalo de Watergate. Agora estou convencido de que aquilo foi um lamentável equívoco. Watergate foi visto como um grande erro do Richard Nixon e, na verdade, foi um erro idiota do partido, que a imprensa aproveitou para destruir o presidente. Uma vez na vida, nesse caso, fui maria-vai-com-as-outras. O Nixon é uma figura complexa e foi um dos maiores presidentes dos Estados Unidos.

T.G. – Você chegou a vê-lo pessoalmente alguma vez?
P.F. –
Claro, várias vezes. Em certa época, fui do corpo de imprensa da Casa Branca. É um emprego para o qual você se habilita. Eles fazem um exame e você entra. Viajei muito com o Jimmy Carter. Estive em todas aquelas negociações de armas nucleares. Viajei com o Ronald Reagan. Aí me enchi e parei.

T.G. – Como foi a campanha de desarmamento nuclear do Carter?
P.F. –
Foi uma loucura. Eu fiz um curso de seis meses sobre armas nucleares com um homem chamado Paul Desmond, um dos maiores especialistas de armas nucleares do mundo. Eram lectures, um abc sobre o assunto. No Brasil, ninguém tem a menor idéia do que seja.

T.G. – Você fez esse curso com que objetivo?
P.F. –
Na verdade, a minha estada aqui em Nova York é um grande doutorado. Fiz vários cursos. A princípio, eu era apenas um amador dando palpites. Para entender de política exterior, e de outras coisas, fiz cursos. É como matemática, álgebra: você precisa saber a linguagem, caso contrário você bóia, fica sem saber inteiramente o que está acontecendo. E fala bobagens.

T.G. – Onde você fazia esses cursos?
P.F. –
No Center For International Affairs. A bomba que destruiu Hiroshima era de urânio. Em Nagasaki, eles testaram a de plutônio. Eram bombas sujas. Na década de 1950, houve o teste da bomba de hidrogênio. As pessoas pensam que a bomba nuclear é uma bomba, mas não é. É uma reação em cadeia. Havia um planejamento para uma bomba de cobalto, mas eles acabaram desistindo porque ninguém podia prever até onde essa reação em cadeia iria.

T.G. – Você já passou algum susto na cidade? Assalto ou coisa assim?
P.F. –
Nunca. Aliás, toda forma de crime caiu em Nova York.

T.G. – E do que você gosta mais aqui?
P.F. –
Há mais dinheiro em Nova Iorque que na Suíça. Dinheiro traz outras coisas. Tem museus, balé, teatro, tudo do bom e do melhor.

T.G. – E do mais caro, suponho.
P.F. –
Não. Nova York é a cidade mais barata do Primeiro Mundo. A única coisa mais cara aqui talvez seja o aluguel. Você não pode morar onde nós estamos, razoavelmente, por menos de US$ 2 mil. Falo de Manhattan. Claro que você pode também morar no Queens, no Brooklyn, no Bronx. O Queens é um bairro de classe média, o Brooklyn também. Quase todo mundo que eu conheço mora fora de Manhattan. Com um aluguel desses, a vida se torna impossível. Você paga um imposto de renda brutal aqui. Eu nunca tive disso, mas meus colegas que melhor ganham na TV Globo, jornalistas, se queixam amargamente porque deixam 40% do que ganham em impostos. Tem o imposto geral, o INSS americano, que é o Social Security, o imposto estadual. Você ganha 10 mil dólares por mês, recebe seis. Pode reaver algum dinheiro na declaração, mas mesmo assim o imposto é alto.

T.G. – O Brasil já não está longe disso, não?
P.F. –
Qualquer imposto no Brasil é uma doação. Porque não tem serviço público. Em São Paulo, que é 60% da renda brasileira, o Tietê transborda e ninguém faz nada, é uma tristeza.

T.G – O que você gosta de fazer em Nova York? Vem sempre aqui (ao Bravo Gianni)?
P.F. –
Este restaurante é uma espécie de pub brasileiro. O Gianni, o proprietário, é uma pessoa muito simpática. Esteve no Brasil há pouco tempo. E restaurante italiano, há poucos iguais. O forte daqui é o jantar, lotado. Vêm celebridades. Você vive muito bem nesta cidade, mas precisa ganhar 10 mil dólares por mês para viver sem se aporrinhar.

T.G. – Por causa do aluguel?
P.F. –
Também. Eu pago menos, porque arranjei uma galinha morta, mas isso é porque eu moro aqui há muitos anos. Você pode comer fora, comprar um carro, ver os melhores espetáculos. Não é que não possa viver por menos, mas para viver realmente sem ficar contando os tostões, o leite das crianças, o aluguel, é isso. E hoje estão pagando isso na imprensa brasileira, não? O real está valendo tanto… Soube de uma pessoa que foi trabalhar como repórter na Folha de S.Paulo ganhando 15 mil dólares. O mercado se diversifica. Você conhece o Hermano Henning? Saiu da Globo discutindo propostas, cada uma delas mais incrível que a outra. Inclusive na TV do bispo (a TV Record, de Edir Macedo). Ele disse, “quase aceitei, fiquei até meio sem graça”. Acabou indo para o SBT.

 T.G. – Você iria?
P.F. –
O problema do bispo é que, se você vai trabalhar para ele, fica um pouco constrangido de tomar o dinheiro de fé, né?

T.G. – O que você gosta de fazer? Ainda vai ao teatro?
P.F. –
Muito. Sou uma pessoa de gosto católico: música, balé, pintura. Agora tem no Moma uma exposição de 160 quadros do Mondrian. Já a vi três vezes. E você aqui tem todos os museus, é um paraíso. Tem o Citi Ballet, que é o balé do Balanshin, outra maravilha. Eu não posso ver tudo (por causa do dinheiro), então passei minhas três últimas noites vendo na televisão Orgulho e Preconceito, minissérie baseada no romance da Jane Austen, uma maravilha. Cinema e televisão nesta cidade chamam-se Jane Austen, que morreu em 1817. Os filmes baseados em histórias delas hoje são o maior sucesso, estão mais quentes que o Quentin Tarantino. As pessoas aqui lêem muito mais os “scripts” dela: Razão e sensibilidade, Emma, que tem três versões diferentes.

T.G. – Que lugar de Nova York você recomendaria para morar?
P.F. –
Com pequenas exceções do lado oeste, deve-se morar do lado leste. Entre a Primeira Avenida e a Quinta. O lado oeste é um lugar muito bonito, mas meio barra pesada. O lugar ideal é você morar aqui mesmo onde nós estamos. Você pode ir a pé para os melhores cinemas, os melhores restaurantes, ao teatro… Nova York é uma cidade muito agradável de março a novembro. O clima é ameno. O verão tem alguns dias muito quentes, mas em geral o calor não é muito intenso.

T.G. – Muita gente vem visitá-lo em Nova York?
P.F. –
Só as pessoas que eu conheço, porque não sou atração turística.

T.G. – Eu digo jornalistas, por exemplo. O Elio Gaspari não é seu amigo?
P.F. –
Olha, o Elio e eu nos divertimos muito quando ele morava em Nova York (como correspondente da revista Veja). Nós almoçávamos aqui (no Bravo Gianni), daí dávamos uma volta de 40 quarteirões para afinar a barriga e ver os loucos. Os loucos são a maior atração de Nova York. Saem gritando por aí. Tem louco que entrou na era da eletrônica e grita de microfone.

T.G. – Que roteiro vocês faziam?
P.F. –
Saíamos daqui para ir à Quinta Avenida, na altura do Central Park. Aí, íamos andando pela Quinta até a confluência com a 57, que é a maior esquina do mundo. Ali você vê as mulheres mais bonitas do planeta. O Elio tem até uma piada ótima. Diz que as mulheres quando ficam velhas passam lá para lembrar de quando eram gostosas e bonitas. Porque vêem as outras, é claro.

T.G. – Você ainda caminha?
P.F. –
É claro. Um dos maiores prazeres de Nova York é poder andar sem ser assaltado. O Brasil chegou ao ponto de que no Rio de Janeiro estão cobrando taxa para não lhe seqüestrarem. Mandam um recado: olha, você me manda R$ 5 mil, caso contrário, seqüestro sua mulher. Ninguém pode viver assim. Eu nasci no Rio, quando era a cidade mais cordial do mundo. Aí começou, na década de 1960 para 1970, essa política que gerou multidões de pobres brasileiros e essas favelas criminosas.

T.G. – Você voltaria a morar no Brasil?
P.F. –
O proprietário, aqui, o Gianni, foi lá e voltou dizendo que não dá. Uma das características da minha vida é que não planejo nada. Vir para cá foi pelas circunstâncias da ditadura. Acho que inconscientemente eu esperava que fosse acabar o regime militar e a gente pudesse voltar a uma vida normal no Brasil, mas em 1970, quando chegou aquele pessoal do (presidente Emílio Garrastazu) Médici… O Brasil estava bem, ganhou a Copa do Mundo, crescimento econômico como nunca houve igual, de 11% ao ano, o Delfim Netto era o Homem-Milagre…, mas de repente houve um arrastão, prenderam deus e o mundo… Decidi ficar em Nova York.
E fui ficando.

T.G. – Seu afastamento do Brasil então foi também uma definição política?
P.F. –
Eu sei que na sua geração isso não é muito comum, mas você faz um pequeno tour no horizonte para ver quantas pessoas deram sua vida pelo comunismo, se sacrificaram. Mais adiante você vê quantas pessoas deram suas vidas na guerra entre os católicos e os protestantes. Talvez as melhores pessoas, ou muitas delas, tenham sido destruídas por essas coisas que hoje nos parecem perda de tempo. Eu tenho também esse lado, que é meio literário. Escrevi vários romances. É muito mais forte que política. É meio misterioso.

T.G. – O Manhattan Connection foi também uma coincidência?
P.F. –
Eu fico fascinado com essa reação em cadeia de acidentes. Esse programa, por exemplo: as pessoas que vêm do Sul agora só falam nisso. Agradeço os cumprimentos, mas entrei no programa por acaso. O Lucas Mendes, que mora aqui há uns 30 anos, estava saindo da TV Globo e rearrumando a vida dele na TV Cultura. Resolveu fazer esse programa e me convidou, mas puramente na esportiva. De repente, tem uma repercussão enorme…

T.G. – Você acha que o sucesso do programa se deveu ao debate?
P.F. –
O debate já existe na televisão. Os telespectadores gostam é do informalismo. Televisão brasileira é muito fraque e cartola. Não há um mínimo de informalismo. E em uma TV a cabo você pode se soltar muito mais. Ninguém pode se queixar daquilo que dizem da TV comercial, na qual alguém invade a sua casa e diz algo que lhe ofende. Aqui nos Estados Unidos, pouco a pouco, o cabo está comendo tudo. Eu só vejo TV a cabo. Das grandes emissoras, eu só vejo os jornais. O jornal da ABC, tenho de ver todo dia, porque o Jornal da Globo tem sua parte internacional tirada dali, temos os direitos de reprodução.

T.G. – O que mais você recomendaria na cidade?
P.F. –
O cenário do estúdio da TV Globo em Nova York é o Empire State Building. Não vou lá há mais de 20 anos, contudo, tem uma hora maravilhosa em que você pode ir, à tardinha, quando a luz natural está caindo e as luzes da cidade se acendem.

T.G. – Bem, foi um grande prazer.
P.F. –
Sim, mas (saiba que esta entrevista) foi um acidente, porque eu não tenho tempo para essas coisas. Normalmente, a minha vida é muito atrapalhada.

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