O samba pensa a gente

O samba pensa a gente
Clara Nunes e Natal da Portela em 1972 (Foto: Arquivo Nacional/ Fundo Correio da Manhã)
  Noel Rosa diz em “Feitio de oração”, uma de suas joias musicais, que “sambar é chorar de alegria/ é sorrir de nostalgia/ dentro da melodia”. É uma formulação paradoxal, mais especificamente um antilogismo, pois a contradição dos termos está num enunciado predicativo, isto é, numa afirmação que contraria a si mesma. Tem afinidade com o blues, que é possível formular como “alegria do lamento”. Estamos aqui no terreno da retórica, sem figuras de sentido ou de palavras, mas sim de pensamento, que acolhem a ironia, a antífrase, o sarcasmo e o paradoxo com suas variantes. Contemplamos o recurso figurativo em que propriamente se “pensa”, ou seja, em que ideias e juízos não fazem apelo a substituições linguísticas (tipo metáfora, metonímia e sinédoque) nem a jogos lexicais e sonoros. O que realmente se pensa? Noel estaria de fato “filosofando” (mesmo no sentido mais popular da palavra, que é o de refletir ou considerar o que se percebeu) ou tão só driblando poeticamente a razão para uma definição encantatória do samba? O samba é, sim, alegre. Não é isso, entretanto, que dizem seus signos verbais, isto é, as letras cantadas. Vamos admitir que a linguagem tenha dois registros, como diz Pierre Naville: “um é o da expressão explícita, manifesta, voltada para um interlocutor, e o outro é o do interior, subvocal, mesclado com sinestesia. Então se verá que a imagem ótica (e sonora) age como um estímulo eletivo da linguagem subvocal, mais do que como o da linguagem explícita, o que se marca ora pela in

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