O feminino na travessia do Grande Sertão
Diadorim é quem rompe o limite do universo em que Riobaldo se localiza (Foto: WIN Initiative / Getty Images)
É ponto pacífico que, tanto para Euclides da Cunha quanto para Guimarães Rosa, o sertão funciona como metáfora de algo que se perdeu ou se encontra em vias de desaparecer. Mas, embora Grande sertão: veredas possa ser considerado, segundo sugere W. Bolle, como uma reescrita do discurso fúnebre de Os sertões, numa espécie de reabilitação póstuma da memória heroica do sertanejo, as duas obras se diferenciam por motivos que cabe destacar. Ao passo que Euclides da Cunha fala de Os sertões no sentido genérico do artigo plural, tentando manter a distância objetiva do observador externo, Guimarães Rosa revoga essa objetividade e nos convoca a uma experiência de imersão: para se ouvir o que tem a dizer o Grande Sertão, no adjetivo singular, é preciso se deixar envolver por ele e se haver com a estranheza e o encanto tanto da prosódia quanto do vocabulário e da sintaxe do sertanejo.
Um fala dos sertões, o outro faz falar O Grande Sertão, e nisso reside uma grande diferença. É por fazer falar o grande sertão, deixando-se por ele afetar, que em Guimarães Rosa, observa Antonio Candido, a busca objetiva pelo nexo causal determinista, que orienta o ideal científico do relato de Euclides, se desfaz, cedendo lugar às ambiguidades do desejo: o pacto com o diabo funciona, ao mesmo tempo que se duvida de sua existência. É em tal contexto que Diadorim encarna a ambivalência da posição, ao mesmo tempo santa e demoníaca do feminino, em contrapartida ao pacto masculino com o diabo sobre o qual Riobaldo organiza sua meditação.
Conforme sugere C
Assine a Revista Cult e
tenha acesso a conteúdos exclusivos
Assinar »