Na casa de Zélia Gattai e Jorge Amado

Na casa de Zélia Gattai e Jorge Amado

Heitor Ferraz

Zélia Gattai ficou bastante conhe­cida do público leitor com seu belo romance Anarquistas, graças a Deus, em que relatava sua infância como filha de imigrantes italianos anarquistas que vie­ram morar em São Paulo. Naquelas pá­ginas, já se percebia a contadora nata, que sabia e sabe até hoje envolver seus leitores, num estilo simples, sem enfeites, como ela mesma gosta de dizer. Vivendo há 54 anos com o romancista Jorge Amado, porém oficialmente casada com ele há 30 anos, sua vida acabou sendo marcada por esse contato e, mais que isso, pelo am­biente sempre acolhedor de sua casa no Rio Vermelho, em Salvador, onde recebe desde pessoas ilustres até as pessoas mais simples, do povo. Pelo portão com mo­tivos criados pelo amigo e pintor Carybé, já passaram Pablo Neruda, Dorival Caymmi, João Ubaldo Ribeiro, muita mãe-de-santo, políticos e o moleque da quitanda.

Esta casa é matéria-prima de seu novo livro A casa do Rio Vermelho, que a Editora Record está lançando. O leitor poderá se reen­contrar com essa contadora de histórias, voz macia, simpática, que cativa o ouvinte com sua simplicidade. Nessa entrevista, feita por telefone, ela conta um pouco sobre sua casa, onde mora desde 1963 e que é um dos endereços mais fa­mosos de Salvador. No momento, conta a escri­tora, ela ainda não está planejando ne­nhum outro livro. Como prefere dizer, “está de resguardo”.  

CULT – Em seus romances, a memória sempre ocupou papel fundamental. É partir dela que a senhora tece suas narrativas. No seu caso, a memória é a origem da ficção?
Zélia Gattai –
 Esse é o meu décimo livro, sendo que sete deles foram de memórias. Normalmente, conto coisas que vivi. Dizem que a vida muitas vezes parece um romance, mas ela é uma realidade e é essa realidade que conto. Comecei a escrever aos 63 anos, o que não é tarde quando se fala em memória, pois para escrevê-las é preciso viver muito, ama­durecer bastante, ter maior compreensão do ser humano, estar despida do senti­mento de inveja e de revanche. E escrevo, assim, com liberdade e com o coração.

CULT – Nesse novo livro, a casa do Rio Vermelho é o personagem central. É em torno dela que as memórias afloram. Como surgiu a idéia de montar esse quadro de época a partir dessa casa e qual a importância que ela ocupa em sua vida?
Z.G. –
 Eu conto histórias que passaram aqui na nossa casa, no Rio Vermelho. Nós mudamos para a Bahia em 63, pouco antes do golpe. Procuramos muito uma casa e até comprar não foi brincadeira. Quando encontramos, tivemos de botar a baixo e construir uma outra, que é essa onde moramos hoje. Ela tem muita história, foi feita com a colaboração de diversos amigos, como o arquiteto Gildebert Chaves e o Carybé, que deu muito palpite, muitas idéias. Aqui, nós já recebemos muita gente, presidentes da República, amigos nossos e muita gente do povo. Mas o livro não fala só sobre a casa do Rio Vermelho. Sabe como é, uma história puxa outra e assim também fui puxando pela memória histórias que se passaram em outros lugares, em outros países.

CULT – Na sua relação literária com Jorge Amado, vocês conversam sobre o que estão escrevendo ou só mostram quando o texto já está concluído? Como se dá essa troca entre escritores?
Z.G. –
Eu sou uma aprendiz de feiticeiro. Toda minha vida sempre gostei de contar histórias. Mais que tudo, sou uma contadora de histórias. Antigamente, quando não havia rádio, televisão, o divertimento da criançada era ouvir e contar histórias. E esse foi meu destino, encontrei alguém na vida que também era um contador. Entre nós, temos muito diálogo.

CULT A senhora lembra de alguma história curiosa na vida dessa Casa?
Z.G. –
Lembro de uma empregada ma­grinha que tivemos aqui. Logo que ela chegou na casa, ela recebeu os ibejis Cosme e Damião. Ela ficou doidinha e levantou o Jorge, que na época pesava 100 quilos, pelas pernas e saiu dançando com ele pela casa. Eu nunca tinha visto esse tipo de coisa. Esses são os milagres da Bahia.

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