Mulher e Filosofia – o livro de Juliana Pacheco
Prefácio
Desde a publicação em 2002 do livro As Mulheres e a Filosofia, que ajudei a organizar junto a Magali Menezes e Edla Eggert, autoras que participam com excelentes textos da publicação que ora temos em mãos, as pesquisas e debates relativos aos temas feministas em filosofia tem avançado em nosso contexto acadêmico.
Junto ao livro Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero (EDUNISC, 2012),organizado por mim e Bárbara Valle, e Filosofia: Machismos e feminismos (UFSC, 2014), publicado pela colega Maria de Lourdes Borges (com minha modesta participação), podemos dizer que esse Mulher e Filosofia: as relações de gênero no pensamento filosófico, organizado pela estudante de filosofia Juliana Pacheco, vem a contribuir para o avanço não apenas da investigação relativa à história da filosofia, mas também à reflexão sobre os limites do pensamento filosófico desvinculado da questão de gênero.
Hoje, as pensadoras e estudiosas que se ocupam em debater o tema gênero em suas diversas linhas de investigação, tem produzido uma verdadeira reviravolta crítica. Esse turning point crítico tem a marca política do feminismo. Uma marca antes impressa em termos epistemológicos e éticos. As páginas que seguem estabelecem parâmetros a partir dos quais é possível pensar o problema de gênero sem nenhuma pretensão de esgotar a questão ou de dar respostas definitivas. A intenção dos artigos que seguem é abrir espaço para pensar mais, sem medo de enfrentar os monstros historicamente moldados pelas regras epistemológicas da dominação masculina que se ocupam em excluir a questão gênero de modo a excluir mulheres e outros sujeitos, em nome de um sujeito absoltuto masculino e totalizante.
Se pudermos dizer que há uma chave de leitura relativa ao conjunto dos textos a seguir, ela será a consciência da precariedade dos discursos dos filósofos tradicionais, enquanto esses filósofos eram homens e, a seu tempo, machistas. A construção de um ideal feminino ou de uma natureza da mulher é desmontada em diversos dos textos que seguem para trazer à luz outras perspectivas. Questões interculturais são contempladas para dar lugar ao que a filosofia tradicional, estreita e angustiante, não é capaz de tratar. Se no resgate a pensadoras como Simone de Beauvoir – muito falada, pouco lida – somos levados a repensar a tradição, quando lemos sobre Glória Anzaldúa, somos convidados a olhar para outros contextos de pensamento, a pensar o feminismo enquanto força que permite quebrar o paradigma eurocêntrico com o qual nos acostumamos a trabalhar com a filosofia estrita do cânone sexista vigente. Todos os textos buscam o exercício de um livre pensar, crítico e comprometido com a filosofia e o feminismo.
Na ocasião da publicação de As Mulheres e a Filosofia, o tema “mulheres” era algo bastante estranho como foco de pesquisa acadêmica. As mulheres que decidiam escrever sobre isso tinham que se justificar. Hoje as coisas começam a mudar. Mas as mulheres não deixaram de ser um tanto estranhas, vistas que são como intrusas ou, pelo menos, como seres exóticos, nesse universo fechado de homens da qual a vertente de pesquisa chamada “história da filosofia”, tendência dominante da filosofia brasileira, confirma a proteção ao sexismo sem a qual muitos pensam que a filosofia pode perder seu lugar. De que filosofia falam? Certamente não de uma filosofia isenta. O feminismo, nesse sentido, é a autocrítica mais perfeita da filosofia, sem a qual não será possível avançar em termos de reflexão.
Por um lado, no Brasil, ainda são poucas as professoras de filosofia e relativamente poucas são as estudantes. Mas essa presença escassa de mulheres na vida acadêmica e na pesquisa filosófica não é o único problema que nos restou diante de uma história de exclusão das mulheres do âmbito essencial do pensamento. Do mesmo modo, poucas pessoas estão atentas à questão do significante “mulher” como um tema a ser investigado.
Ora, o que os filósofos disseram sobre a “mulher” interfere absolutamente no que aconteceu com as “mulheres” dentro e fora do campo formal da filosofia. O livro que se apresenta ao leitor neste momento, abre portas e janelas para fazer entrar ar e luz na casa fechada da filosofia como um conjunto de pensamentos obscuros a partir dos quais muitos se acostumam a raciocinar. O mais do mesmo sexista, teto e chão dessa construção, precisa ser posto abaixo.
A superação desse cosmos sufocante depende da coragem filosófica que esse livro nos oferece.