A solidez do populismo margarina: Javier Milei vence na Argentina

A solidez do populismo margarina: Javier Milei vence na Argentina
(Foto: Reprodução)

 

Atualmente, o método mais eficaz de convencer uma boa parcela da população a voluntariamente empurrar goela abaixo o pior dos políticos é anunciá-lo exatamente em sua verdade: o pior dos produtos. Muito parecido com as propagandas da margarina na França dos anos 1950, nas quais anunciava-se de antemão que o alimento era uma versão piorada da manteiga, Javier Milei vendeu-se para o público argentino como uma paródia populista da pior qualidade.

Milei se propagandeou como: cosplay de “Deus Imperador Ancap”, dançarino da “Bomba Tântrica”, orgulhosamente despenteado “peluca”, cyber-médium que segue conselhos de seus falecidos cães em suas múltiplas versões clonadas, chainsaw man que irá serrar ministérios argentinos, frequentador assíduo de orgias, “El Loco”… Melhor parar por aqui, pois a lista de apelidos pífios do argentino vai muito longe. O importante é entender que Milei se diz tudo, exceto um político tradicional, e que foi exatamente por isso, por sua capacidade de distanciar-se da seriedade da política institucional, que ele conseguiu conquistar a vitória nas eleições argentinas do último domingo (19).

O populismo margarina, melhor chamado de populismo como paródia, vem avançando a passos largos no mundo inteiro. Enganam-se os que pensam que Trumps e Bolsonaros são coisas do passado. Observar a vitória de Milei na Argentina não é como olhar para uma fotografia das eleições de um Brasil de 5 anos atrás, ou mesmo um Estados Unidos de 2016. É certo que há algo que se repete, a estética é a mesma, mas isso não aponta para uma superação.

Pelo contrário, o que estamos vendo acontecer é um momento de consolidação. A paródia se estabiliza como uma estratégia política do contemporâneo. Isso quer dizer que, infelizmente, o ridículo veio para ficar, e é por este motivo que, se desejamos enfrentar o derretimento da política via piada, precisamos compreender como opera tal estratégia, em vez de simplesmente subestimar suas vitórias como algo passageiro ou temporário.

A solidez da propaganda do populismo como paródia, assim como os comerciais da margarina, se dá, em grande parte, porque ele é capaz de incorporar em si mesmo suas próprias críticas. Quer dizer, vemos isso na maneira pela qual Milei se blinda das caracterizações de ridículo, patético e delirante ao assumir-se abertamente como tal. Ostentando suas fraquezas a partir de um lugar de autoconsciência, ele desarma possíveis acusações de opositores. A paródia também tem uma relação profundamente íntima com a horizontalidade e com a anti-hierarquia, afetos caros ao eleitorado contemporâneo. Num mundo em que autoridades são olhadas com desconfiança, líderes que se apresentam das maneiras mais ordinárias, infantis e pouco sérias têm maiores chances de não serem percebidos como possíveis ameaças ao corpo social.

Não podemos nos esquecer, por fim, que há um enorme investimento libidinal na ridicularização pública da política institucional. As pessoas gostam de ver políticos como Milei ocupando a presidência, pois ele realiza, ainda que indiretamente, a fantasia popular da vitória do amador e do ordinário sobre a política profissional. Como bem ensinou Nietzsche, a união do ódio com a impotência material resulta na vontade pela vingança moral. Quando a população se enxerga completamente incapaz de transformar o mundo e a política, ela apela para a humilhação deste universo como um todo. Exaltar o mártir, o fraco, o abjeto e o ridículo são formas de compensar sentimentos de impotência.

Nesse sentido, é sumariamente importante compreender que, sim, há muita solidez neste perigoso processo de derretimento da política. A vitória de políticos como Milei não aponta para o passado, ela aponta para o futuro de um movimento que reclama a liberdade como instrumento oficial de descredibilização da política como um todo. A ironia e a paródia, apesar de terem sido instrumentos importantes para desmascarar formas de hipocrisia, na medida em que se solidificam como um movimento político, se tornam uma demanda pelo próprio aprisionamento. É preciso estar ciente do fato de que da piada paródica pode-se derivar a mais ridícula das tiranias.

Renato Duarte Caetano é doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pesquisador Visitante Fulbright na University of California Irvine (UCI).


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