Pioneira, espanhola foi primeira mulher a dirigir um jornal de circulação nacional
A jornalista María Luz Morales (Arte Revista CULT/Reprodução)
A espanhola María Luz Morales nunca se definiu como feminista, mas viveu lutando para ocupar os mesmos espaços que os homens: na adolescência, teimava em entrar em bibliotecas onde não eram permitidas mulheres; mais velha, fez faculdade e usou pseudônimos masculinos para publicar seus textos, até se tornar, por acaso, a primeira mulher no mundo a dirigir um jornal de circulação nacional.
Trinta e sete anos após sua morte, o livro María Luz Morales: pionera del periodismo (ainda sem previsão de chegada ao Brasil), lançado em junho pela crítica literária espanhola María Ángeles Cabré, narra as batalhas daquela que se tornaria a primeira mulher jornalista cultural da Espanha e uma das pioneiras da área no mundo.
Nascida em Corunha, no noroeste da Espanha, em 1889, Morales nunca se casou. Preferiu estudar filosofia e literatura no primeiro centro universitário de mulheres da Espanha, a Residencia de Señoritas. Tudo para tornar-se escritora e, depois, seguir a carreira de jornalista, sua vocação.
Da mesa de sua cozinha, Morales começou a compor pequenos artigos jornalísticos que publicava em revistas de moda e beleza. Aos 25 anos, enviou alguns textos a um processo seletivo para uma vaga de diretora de redação da revista feminina El hogar y la moda (que existe hoje com o nome de Lecturas) e conseguiu o cargo. Pouco depois, conquistou uma coluna semanal chamada La mujer, el niño y el hogar no jornal diário El Sol – conhecido como “o jornal da intelectualidade” -, em 1921.
Sem perder o fôlego mesmo após cinco anos como diretora da El hogar y la moda, passou a publicar críticas cinematográficas no jornal liberal La Vanguardia, sob o pseudônimo masculino de Felipe Centeno – que tomou emprestado de um personagem do romancista espanhol Benito Pérez Galdós.
Suas críticas eram tão bem escritas que um dos responsáveis pela Paramount Pictures na Espanha quis conhecer “Felipe Centeno”. Surpreso ao perceber que o famoso crítico era uma mulher, decidiu contratá-la como colaboradora da empresa no país. A nova posição rendeu à jovem jornalista ainda mais espaço no La Vanguardia: em 1933, passou a escrever críticas teatrais, mais valorizadas do que as de cinema na época – então, finalmente, assinando o próprio nome.
Pioneira por acaso
Com o advento da Guerra Civil Espanhola, em 1936, o jornal La Vanguardia entrou em colapso, e acabou controlado por um grupo franquista. María Luz, única mulher da redação, foi considerada pelos censores a jornalista mais inofensiva para dirigir o veículo – função que acabou exercendo até o final da guerra, ficando conhecida, na época, como La gran señora de nuestra prensa (a grande senhora de nossa imprensa).
Com o fim da guerra, em 1939, porém, o La Vanguardia foi fechado. Todos os redatores foram demitidos e tiveram seus passaportes confiscados pelo regime franquista, como punição por terem colaborado com um jornal da oposição.
Mas o castigo de Morales foi pior. Ela foi mandada para um convento, onde ficou trancada por quarenta dias, sobre os quais pouco se sabe, já que ela nunca escreveu ou comentou a respeito. A jornalista, no entanto, jamais parou de escrever: de alguma forma, conseguia publicar seus textos, novamente sob pseudônimos masculinos, Ariel e Jorge Marineda.
Mais tarde, em 1948, entrou na redação do Diario de Barcelona, onde continuou trabalhando como crítica teatral, literalmente até o resto da vida – ela morreu aos 91 anos, em 1980, um dia depois de publicar um artigo no Diario. Sua morte foi quase profética: Morales costumava dizer que “deixar de escrever seria como deixar de respirar”.