Da prática política do cotidiano
(Arte Andreia Freire)
Ao escrever sobre a epilepsia no fim do século 19, o psiquiatra português Miguel Bombarda afirma: “Essa doença é da mulher e a mulher é uma degenerada – inferioridade psíquica, estreita dependência do homem e um certo grau de anomalia mental que a torna meio antagônica com o ambiente social”. Como outros homens de sua época, o médico defendia a inferioridade cerebral das mulheres, e via a instrução e a emancipação femininas como “poderosas forças degeneradoras”.
Em 1924, a pensadora anarquista brasileira Maria Lacerda de Moura se põe a responder à pretensa tese do cientista: “O feminismo nasceu ontem, criado pelas necessidades de defesa dentro da sociedade capitalista, e é de hoje que as sociedades vêm se degenerando?”. Enquanto as sufragistas lutavam pelo direito ao voto, Moura atacava a maternidade involuntária e o casamento, defendia o prazer sexual feminino, a autonomia nas relações amorosas e uma educação libertária que servisse para a emancipação – e não para a exploração – das mulheres.
Ela reuniu essas reflexões em A mulher é uma degenerada, obra que volta a circular em edição fac-símile pela Tenda de Livros após 86 anos da sua última tiragem. Ainda que se contraponha às teorias cientificistas de Bombarda, a autora adverte que, no livro, não discute “com um homem apenas”, “mas com a opinião antifeminista de que a mulher nasceu exclusivamente para ser mãe, para o lar, para brincar com o homem, para diverti-lo”. Questiona, no fundo, a ordem social burguesa, para ela a principal fonte de
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