Por que Lula deve continuar candidato mesmo preso

Por que Lula deve continuar candidato mesmo preso
(Arte Andreia Freire/RevistaCULT)

 

Amanhã entramos em agosto e a proximidade da eleição presidencial deixa ainda mais pesada uma pergunta em nossas cabeças: o que significa a candidatura de Lula preso? Vale a pena arriscar as chances de um partido do tamanho do PT apostando todas as fichas num candidato que, muito possivelmente, será mantido preso para não confirmar nas urnas a sua vantagem gigantesca sobre os adversários?

Nas pesquisas mais recentes, feitas após o fatídico domingo em que o Judiciário suspendeu suas férias para mantê-lo preso, Lula aparece com cerca de 40% das intenções de votos, o que garantiria sua eleição em primeiro turno. De um lado, nós, eleitores, vemos nessa notícia a demonstração da brutalidade antidemocrática que é a prisão de Lula: um processo judicial conduzido de modo totalmente anômalo tira do páreo o candidato mais popular. De outro, quem quer Lula preso vê a razão para continuar fazendo de tudo para que ele não participe das eleições, nem sequer dando entrevistas ou gravando vídeos. Eles sabem: Lula só perde se não concorrer.

É por causa dessas notícias que tenho lido com certa desconfiança as análises sobre o significado de manter a candidatura de Lula preso. É algo muito complexo. Não é apenas no campo antipetista – em que se tenta até mesmo fazer a Justiça Eleitoral acabar, de uma vez por todas, com a candidatura do ex-presidente – que têm considerado um absurdo que Lula, mesmo preso e com poucas chances de reverter essa situação a tempo, continue sendo apresentado como candidato à presidência. Mesmo à esquerda, alguns comentaristas julgam que o PT está sendo irresponsável com seu papel na democracia brasileira. Outros, que tudo isso demonstra que o PT é o partido em que Lula faz o que bem quer. E outros, ainda, que o PT está fazendo um jogo de cena arriscado, para lançar outro candidato em cima da hora…

São muitas hipóteses, claro, e tudo pode mudar amanhã. O jogo está sendo jogado. Mas considero que devíamos dar mais atenção ao significado político – não apenas eleitoral – da candidatura de Lula preso. De início, a insistência na candidatura de Lula é um protesto: não se pode aceitar a “naturalidade” que tentam atribuir a tudo que aconteceu neste país desde a eleição anterior, em 2014.

Para recapitular, lembremos que, desde a eleição de Dilma Rousseff para seu segundo mandato, com 54.501.118 votos, a oposição vencida declarou guerra, não apenas ao resultado, ao PT e à presidenta reeleita, mas ao país. A disposição era clara desde o dia seguinte à reeleição: sangrar o país até Dilma cair. De lá para cá, todos sabemos o que aconteceu: formou-se uma ampla frente golpista, incluindo o vice-presidente da República e seu partido, setores fortes do Legislativo, do Judiciário, da imprensa e do empresariado, tudo somado à fabricação de manifestações populares, até atingir o objetivo de arrancar Dilma do Palácio do Planalto.

No caminho até a queda de Dilma, caiu muito mais que uma presidenta eleita e reeleita. Escancarou-se a máquina de fazer negócios da política brasileira. Não faltou nem mesmo a constrangedora sinceridade de deputados e senadores que admitiram que seus votos no “impeachment” não se deviam às razões jurídicas declaradas… E o “Governo Temer” chegou ao poder com duas urgências: safar-se das múltiplas acusações que pesam sobre a maioria dos seus integrantes e, como um trator, realizar todas as “reformas” que jamais seriam feitas de maneira democrática.

Enquanto Temer e seus aliados cuidam de seus negócios, várias linhas de ataque ao PT e a Lula se intensificaram, todas fiéis a um mesmo princípio: o vale-tudo. No Judiciário, no Legislativo, no Executivo, na imprensa, vale tudo para garantir que a próxima eleição seja vencida por um candidato afinado com o golpe. Não qualquer candidato. Um candidato que represente os grupos políticos derrotados pelo PT em sucessivas eleições e, claro, se comprometa a cuidar das “urgências” dos golpistas do PMDB por mais alguns anos. Por isso, o acordo da última semana entre PSDB e o tal “Centrão”, bancado pelo próprio Michel Temer, em torno da candidatura de Geraldo Alckmin, é mais um ato do golpe. E a prisão de Lula, não resta dúvida, é uma condição determinante para o sucesso desses atos finais do golpe, que pretendem legitimar – em eleições ilegítimas – tudo o que foi feito de maneira antidemocrática até aqui.

Ao juntar essas duas pontas, entre a guerra contra a reeleição de Dilma em 2014 e a prisão política de Lula para impedir sua participação na eleição de 2018, temos que olhar para a candidatura de Lula preso de outra maneira. Não se trata de um “erro do PT”, de uma “imposição de Lula”, de uma encenação arriscada. Que o principal candidato da eleição presidencial esteja preso, condenado em um processo tocado por autoridades que não escondem suas vinculações políticas com o golpe e seus beneficiários, é um gesto que nos faz ver além da eleição. Mais que isso: nos faz ver que, nesta eleição, está em disputa bem mais que um cargo.

Na verdade, com Lula preso ou solto, não é fácil convencer-se da legitimidade da eleição presidencial de 2018. Todo o processo eleitoral está manchado, porque o que aconteceu nos últimos quatro anos não pode ser apagado, nem mesmo pela eleição de Lula. E não se trata de apagar nada: a candidatura de Lula, mesmo preso, significa que esses quatro anos não podem ser apagados, que o golpe não pode ser engolido, que tudo que foi feito sob o golpe não pode ser aceito e naturalizado. Mesmo que, daqui a pouco, o PT apresente outro candidato ou apoie algum de outro partido, a candidatura de Lula já marcou essa eleição com a denúncia contra o golpe.

A candidatura de Lula, além de representar o desejo de que este país volte aos esforços de justiça social experimentados nos governos de 2003-2014, é também uma forma de acusar a ilegitimidade de tudo que aconteceu de 2015 para cá. É uma forma de dizer que, no Brasil, onde sempre houve muito o que fazer, há agora muito a desfazer para que possamos pensar em qualquer novo passo.

Dizer que nosso voto é do candidato que chega preso à reta final da eleição é nossa forma de dizer que, enquanto Lula estiver naquela cela em Curitiba, todos nós estaremos presos ao destino terrível que o golpe quer impor ao país, a começar pela quebra, em duas eleições seguidas, da regra fundamental de que ao povo cabe escolher livremente os seus representantes: Dilma foi derrubada para não governar, Lula foi preso para não concorrer. Por isso, neste momento, o destino de Lula e o do país estão profundamente ligados – tirá-lo da eleição (ou da cela) é tirar da eleição (ou da cela) muito mais que um candidato. Quem está preso, com Lula, é nosso direito de votar. Se nosso voto está preso, votar no candidato preso é parte da resistência.

TARSO DE MELO é poeta e advogado, doutor em Filosofia do Direito pela USP. É um dos coordenadores do ciclo de leituras de poesia Vozes Versos (Tapera Taperá) e do selo Edições Lado Esquerdo.

(8) Comentários

  1. Todas as forças de poder que dominam o país já fecharam o cerco. Não vão jamais permitir que o Lula seja eleito. Derrubaram a presidenta. Agora o PT tem seguir em frente urgente com outro candidato, como Fernando Hadad. Para que possamos pelo menos ter oportunidade de lutar pela volta da democracia.

  2. Como podem falar em “golpe” e dizerem defender a democracia se o petismo apoia abertamente ditaduras em Cuba, Venezuela e, agora, Nicarágua??

  3. Lúcida e esclarecedora análise!! O será do Brasil se Lula não for eleito?!? Afundará mais ainda !!

  4. Claudete Dias, se lula voltar o Brasil afunda de vez! Olhe para o apoio do Lula ao Maduro, ao Fidel, ao Ortega…

  5. Tratar qualquer político condenado por crimes que ele cometeu é uma ingenuidade sem tamanho. O PT provavelmente foi escolhido pra ser levado a ”forca”, mas isso não exclui a culpa de políticos corruptos que sugaram o Brasil com o discurso de “somos amigos do povo”. Lula não é um preso político, ele é um político corrupto descoberto. O erro é não derrubar todo o resto junto com o PT. Todos deveriam pagar pelos seus crimes contra o Brasil, para começar com Temer. Mas o que conseguimos foi derrubar uma parte dos corruptos. É um começo. Apoiar uma candidatura, de quem claramente é culpado e foi condenado, desrespeitando todas as leis possíveis mostra o por que o Brasil é regido por bandidos. Uma sociedade que aplaude corrupção e a pratica, sempre dando seu “jeitinho” para conseguir o que julga certo baseado em ideais contraditórios e historicamente comprovados ineficientes, só poderia receber tal governo como recompensa. A situação de nossa nação e de nossa sociedade é lamentável.

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