Le Travail de l’Oeuvre Machiavel, um livro essencial
O maquiavelismo é um mito que associa a política à imoralidade – e mostra a desconfiança que sentimos da dimensão política
Antes da publicação do livro de Lefort, a “questão Maquiavel” parecia não concernir o meio intelectual francês que estava, nos anos 1960, sob o impacto do estruturalismo. Lefort arriscou uma outra direção. No título de seu livro aparece um termo que havia se transformado num dos alvos prediletos da crítica estruturalista: a obra. Para Lefort, não se pode compreender um pensamento sem considerar o campo que ele instaura: esse campo é a obra. Para explorar o espaço próprio dela, é preciso se reportar à crítica que ela desperta e é o que Lefort realiza na primeira parte de seu livro. Logo após a introdução, Lefort parte em busca das interpretações da obra maquiaveliana. O que o anima é a convicção de que o discurso crítico remete à obra do escritor e a oferece para nosso próprio pensamento, atestando “a presença da obra”.
Lefort examina também, nessa primeira parte, o conceito de maquiavelismo e o define como uma “representação coletiva”, que concerniria não apenas a interpretação da obra do florentino, mas nossa própria “experiência da política e da conduta humana” (pp. 73-4). O maquiavelismo faz parte da “mitologia intelectual da humanidade moderna”. (p. 77). Esse mito associa a política à imoralidade e, por isso, está na origem da desconfiança que mantemos com relação à dimensão política.
O passo seguinte é o comentário dos textos de Maquiavel. Lefort lê O Príncipe e os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Podemos destacar dois aspectos importantes que sua leitura revela. O primeiro é o problema do imaginário na política. Lefort mostra que o príncipe só exerce o poder na medida em que é capaz de lidar com uma rede de significações que delimita sua figura. Para quem acreditava que os princípios da política se reduziam ao princípio da força, Lefort demonstra – seguindo um caminho aberto por Merleau-Ponty no artigo de 1953, “Nota sobre Maquiavel” – que em Maquiavel a política se distende no campo da aparência: “o príncipe não existe senão para os outros, seu ser está do lado de fora” (p. 408).
O outro ponto forte de sua análise é a exploração do conflito entre os desejos que estrutura as relações políticas da cidade. A ação política sempre se inscreve nesse terreno agônico em que a dissensão insolúvel dá origem ou a um autêntico vivere libero ou à degradação da vida pública.
Le Travail de l’Oeuvre Machiavel
Claude Lefort
Ed. Gallimard
1972
782 págs.
Helton Adverse
concluindo um doutorado sobre Maquiavel, em Filosofia Política, na UFMG, é professor no Unicentro Newton Paiva