Filha de João Cabral, Inez Cabral lança primeiro romance e reivindica sobrenome
Inez Cabral estreia na literatura: 'O sobrenome Cabral também me pertence' (Chico Cerchiaro/Divulgação)
“Exigem que ela siga convenções sem jamais discutir a respeito. Não tem culpa de discordar e preferir usar a cabeça”. É assim, em terceira pessoa, que Inez Cabral, 70, narra a própria história. Com lançamento previsto para a próxima segunda (26), o romance autobiográfico O que vem ao caso (Companhia das Letras) é o primeiro livro autoral da cineasta, tradutora e professora de roteiro – que também é filha do poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto (1920-1999).
Organizado em 99 pequenos capítulos, o romance remonta a vida de Inez da infância à maturidade, partindo das constantes mudanças da família provocadas pelo posto de diplomata do pai – que os levou a morar em cidades como Barcelona, Sevilha, Londres, Madri e Genebra. Mas, longe de ser um livro sobre a relação entre pai e filha, O que vem ao caso foca em Inez e ao poeta é concedida a posição de coadjuvante.
“No livro, eu narro fatos da minha vida, e não da dele”, afirmou a autora à CULT, quando questionada sobre a escolha de afastar o pai do centro da narrativa. “Me conscientizei de que o sobrenome Cabral também me pertence, e não penso mais em comparações entre nossas escritas. Acho o meu estilo completamente diferente do dele, afinal sou outra pessoa e não escrevo poesia.”
Além das mudanças de país que dão cor à infância da autora, O que vem ao caso relembra os primeiros amores de Inez, resgata sua relação com a maternidade e relata um episódio em que a cineasta foi detida pela ditadura militar. São histórias sobre os inúmeros colégios de freira em que foi aluna (e contra os quais se rebelava), sobre as várias escapadas do olhar rígido da mãe na adolescência e, também, sobre a angústia de não saber encontrar uma profissão que contemplasse sua criatividade.
Em alguns pontos do livro, João Cabral aparece – não como poeta ou diplomata, mas como o pai que primeiro era um “careta” com quem Inez “tinha certa (pra não dizer muita) dificuldade de se relacionar” e que, mais tarde, se tornou um bom conselheiro. Veio do pai, aliás, o conselho de dedicar-se à escrita: “Vai escrever, minha filha, não vai ter professor para te coibir”, diz o poeta em uma das passagens de O que vem ao caso, quando Inez revela a vontade de estudar artes.
“Ele gostava de minhas redações, e quando decidi dedicar-me ao cinema, alertou-me de que, se você quer fazer arte, se quer dizer coisas ainda não ditas, é melhor depender apenas de lápis e papel. Depois de 50 anos, me convenci de que tinha razão”, conta Inez, que só tomou consciência da importância do pai quando, já mais velha, assistiu a uma montagem de Morte e vida severina em um festival de teatro universitário em Nancy, na França, e ficou “muito orgulhosa e emocionada”.
Até a adolescência, diz, lia Boris Vian, Victor Hugo e Émile Zola, sem abrir livros de Cabral. No entanto, lembra-se com carinho do processo de escrita do pai, considerada por ele “um trabalho braçal”: “Meu pai nunca acreditou muito em inspiração. O processo começava com ele tirando um papelzinho ou cartão de visitas do bolso e fazendo anotações rápidas que sempre tive curiosidade em ler, mas nunca consegui. Então se trancava, começava escrevendo à mão. Depois datilografava, corrigia e pedia à minha mãe que passasse a limpo e corrigia de novo até dar-se por satisfeito. A cada nova edição, revia tudo, mudava coisas”.
Ela, ao contrário, tem uma escrita mais fluida e imediata, sem preocupações com a linguagem ou a forma. Até O que vem ao caso começou como uma série de posts despretensiosos no Facebook: “Quando comecei não tinha ideia que minhas aventuras ou desventuras virariam livro algum dia. Confesso que não senti dificuldades, até porque escrevia sem compromisso”. Ela conta que, no final do processo, pediu uma “leitura amiga” a Marcelo Ferroni, “escritor dos bons e editor do meu pai”. “Fiquei assombrada, e sobretudo feliz, quando ele se propôs a editar [O que vem ao caso]”.
De João Cabral, a própria Inez organizou o livro póstumo Notas sobre uma possível A casa de farinha (2013) – um longo poema que o autor deixou inacabado – e a antologia A literatura como turismo (2016), poemas dele comentados por ela. Mas a escrita de si, que Inez vê como uma forma de “fazer o leitor se identificar e refletir”, é novidade para ela: “Organizar uma antologia é uma tarefa que exige um trabalho racional. Para escrever O que vem ao caso, me permiti falar de mim, e esse assunto eu conheço bem – ou, pelo menos, deveria”, brinca.
(4) Comentários
Obrigada pela matéria, adorei.
Esperando o lançamento em São Paulo!!
Que boa notícia estes textos que eu gostava de ler, no Facebook agora em forma de livro. Parabéns Inez! Com certeza quero lê-lo por inteiro!
Sucesso.
Abs. Laura
Sabe como posso localizar Liana Rocha? Sucesso para o livro.