Um revolucionário de diversas causas: a vida extraordinária de Herbert Daniel

Um revolucionário de diversas causas: a vida extraordinária de Herbert Daniel
Herbert Daniel em Paris, entre 1976 e 1980 (Foto: Geny Brunelli de Carvalho/Divulgação)

 

James N. Green ficou recentemente mais conhecido como o “namorado gringo” de Dilma Rousseff, conforme se noticiou durante a visita que a ex-presidenta fez a diversas universidades nos EUA para denunciar a ilegalidade do impeachment de 2016.

No entanto, as especulações amorosas não passaram de fake news: mesmo antes desse “namoro”, Green já era um brasilianista reconhecido, com inúmeras publicações sobre história latino-americana. Professor na Universidade de Brown, se dedica há décadas aos estudos sobre sexualidade e as ditaduras civis e militares que, durante a Guerra Fria, assolaram o Cone Sul.

Suas áreas de interesse cruzam-se, agora, de modo singular e muito interessante. Em seu último livro, recém-lançado, fruto de uma pesquisa rigorosa de mais de dez anos, Green reconstitui a trajetória de Herbert Daniel, que carregou duas identidades aparentemente inconciliáveis: a de gay e a de revolucionário.

Herbert foi um quadro importante na luta armada contra a ditadura de 1964 e no processo de redemocratização do Brasil. Estudante de medicina na UFMG, companheiro de militância de Dilma, se engajou em grupos guerrilheiros ainda no final da década de 1960. Esteve na linha de frente de assaltos a bancos e dos sequestros de diplomatas estrangeiros que garantiram a soltura de mais de uma centena de presos políticos que corriam risco de morte.

Na militância clandestina, Herbert descobriu e assumiu sua homossexualidade. De um lado, ele se encontrava acossado pela violência de uma ditadura moralizante e LGBTfóbica; de outro, não era aceito por parte dos seus companheiros de guerrilha. Para muitos setores das esquerdas naquele momento, a homossexualidade era vista como um desvio pequeno-burguês, uma degeneração, uma fraqueza moral, um desbunde de minorias improdutivas, em suma, um “pequeno drama da humanidade” que dividiria a “luta maior”.

Herbert teve então que “esquecer sua homossexualidade” para “fazer a revolução”. Tanto se dedicou que seu rosto chegou a estampar os cartazes dos “subversivos” mais procurados pelo regime autoritário. No entanto, mesmo com o cerco crescente e o extermínio físico da luta armada, ele conseguiu escapar da prisão e das torturas, exilando-se em 1974 em Portugal e, depois, na França. No exterior, contraiu HIV e se tornou, ao retornar ao Brasil como o último dos anistiados, um ativista fundamental pelos direitos das pessoas vivendo com HIV e AIDS.

Morto em 1992, Herbert foi um revolucionário gay que desafiou tanto a ditadura de direita quanto setores de esquerda que reproduziam a heteronormatividade. Passou pelo Partido dos Trabalhadores e fundou o Partido Verde, sempre atuando pelos direitos dos homossexuais, pela ecologia e pelas lutas das mulheres e negros.

Em tempos de ofensiva conservadora, chega em ótima hora esta cuidadosa biografia de uma figura tão intrigante e inspiradora da história política brasileira.

Revolucionário e gay: A vida extraordinário de Herbert Daniel
James N. Green
Trad.: Marília Sette Câmara
Civilização Brasileira
378 págs. – R$69,90

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