Grãos inteiros

Grãos inteiros
À esquerda Raja; ao centro, Rames; à direita Raduan, 1937 (Arquivo Prefeitura de Pindorama)
  Há dois versos de Invenção de Orfeu, o longo e vertiginoso poema de Jorge de Lima, que seriam particularmente caros a Raduan Nassar e que talvez tenham inspirado o título de Um copo de cólera, publicado em 1978: “há sempre um copo de mar / para um homem navegar”. Composta, por assim dizer, em torno de emblema entranhado em nosso imaginário, barco ou navio solitário a singrar o mar alto, para sugerir como o mais ínfimo é capaz de desencadear o desmedido da aventura tanto da fantasia como da experiência humana, a extraordinária imagem aponta para múltiplos sentidos. O que gostaria de reter aqui é o paradoxal amálgama entre o ilimitado e o contido, entre o excesso e a medida, entre o transbordamento e a contenção. Toda a obra de Raduan Nassar é caracterizada por esse paradoxo. É essa talvez a sua principal riqueza e o que faz dela uma de nossas obras mais importantes e fecundas do século 20. Se o escritor fez sempre opção pela prosa, as suas narrativas são atravessadas, de um lado, pelo poético ou pelo lírico, e de outro, pelo dramático ou pelo trágico. É com frequência que a linguagem lírica, sem tender para o prosaico, se torna dramática, também no sentido de própria do drama, que é reduzido a seus elementos mínimos, indispensáveis: dois personagens em tenso e por vezes violento diálogo, o que certamente é um dos motivos para que os dois livros mais importantes de Nassar tenham sido transpostos para o cinema. O melhor exemplo dessa concentração é o embate verbal, que se intensifica até o paroxismo e acaba em v

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