A Favor de um Partido Feminista – Por Josadac dos Santos
Josadac dos Santos, Professor de Ciência Política/UFS, de Aracajú, escreveu um artigo muito interessante, atento que está à proposta em debate de um partido feminista. Há quem fique em dúvida sobre a relação entre feminismo e “partido”. O feminismo seria, nessa visão, muito anárquico para configurar-se enquanto instituição. Experiências traumáticas com partidos, críticas ao modo tradicional de exercer o poder, medo de que a estrutura degenere em corrupção, crise de representação, tudo isso entra no cálculo da crítica à forma “partido”. Por outro lado, o partido pode ser um jeito prático e consistente de enfrentar esse poder que dá tanto medo e que muitos desprezam, para a sorte dos que fazem o que querem com o poder em nome de seus fins privados, que é o poder de governar.
De qualquer modo, precisamos falar sobre a ideia de um partido feminista. E o convite tem sido aceito. Não é possível não reconhecer o caráter provocativo da ideia.
Por enquanto, a #partidA, é um movimento que deve funcionar como partido e que já se expressa como um espaço de livre criação e participação política feminista. O texto abaixo faz parte do diálogo. Não precisamos concordar com ele, nem discordar, mas pensar no que ele nos diz nesse momento. Sem pressa.
A Favor de um Partido Feminista
Josadac Bezerra dos Santos
Professor de Ciência Política – UFS
Josadac.ufs@hotmail.com
Este artigo foi originalmente publicado no Jornal da Cidade, diário que circula no estado de Sergipe, a edição de 9 de Junho de 2015
A questão da existência de uma quantidade enorme de partidos políticos no Brasil é relevante. Há um problema de gestão política dentro do Congresso Nacional, porque cada partido implica em uma liderança, e a articulação das demandas inerentes à atividade parlamentar a ser feita por uma quantidade grande de líderes, só dificulta. Os partidos são a expressão de uma diversidade de interesses, ideias e esperanças, passando da mais cândida pureza de intensões à mais nefasta das malévolas proposições. Claro que no papel, manifestos e programas partidários, todos são bem intencionados. Na prática, nem sempre. Também podemos reconhecer que essa é uma realidade, em grande parte, inerente a todos os partidos, independentemente de serem de esquerda ou de direita, revolucionários ou conservadores, etc.
Em uma iniciativa recente, lideranças feministas têm refletido sobre a oportunidade da criação no Brasil de um partido feminista que represente não simplesmente mais um partido. Mas um partido que se proponha a criar um novo jeito de fazer política, atualizado em relação às novas demandas que surgem em decorrência dos novos arranjos sociais inerentes a uma sociedade em rápida e profunda transformação, como por exemplo, os novos arranjos familiares ou os novos espaços midiáticos centrados em um sujeito que instantaneamente se coloca diante de centenas de milhares de pessoas através das redes sociais.
Tradicionalmente os partidos políticos podem ser divididos, entre outras possíveis divisões, em ideológicos e não ideológicos. Partidos ideológicos são aqueles cuja atuação partidária é animada por uma motivação proveniente de profundas convicções sobre a necessidade de transformação radical da atual situação social, política, econômica e cultural, abrangendo necessariamente, no mínimo, esses quatro itens pautados. Os partidos não ideológicos são aqueles que não propõem qualquer transformação radical, mas apenas transformações parciais que visem o aperfeiçoamento dos mecanismos de dominação já existentes na sociedade.
O partido feminista que está sendo proposto à sociedade brasileira seria um partido que pode ser definido como ideológico porque, de acordo com as suas idealizadoras e idealizadores, deve-se buscar a transformação radical da sociedade brasileira através da supressão da dominação masculina e capitalista aqui existente e substituí-la por uma ordem radicalmente democrática onde se propõe a ético-política feminista que compreende, acolhe e respeita a dignidade de todos os seres humanos, bem como os seres não humanos contemplados em uma perspectiva ecológica ampla.
Um partido feminista, portanto, não pode ser uma instituição de agenda restrita, como por exemplo a defesa da autonomia da mulher sobre o seu corpo; propõe-se a repensar toda a realidade social, econômica, política e cultural, com um alcance muito mais amplo do que as mulheres em sua singularidade ou suas demandas particulares. Através de uma articulação que identifica em outras particularidades pontos de convergência para a criação de um “nós” que se oponha a um “eles”, o partido tenderá a viabilizar-se como uma força política inserida na ciranda da disputa eleitoral pelo poder, com o objetivo de realizar suas pretensões programáticas.
Uma das demandas contemporâneas a que um partido dessa natureza pode ou poderá atender, é a de aumentar significativamente o número de mulheres diretamente envolvidas com a disputa eleitoral. Hoje essa participação das mulheres é muito tímida e insuficiente. É possível que um partido feminista acabe por oferecer às mulheres, além de uma ideologia consentânea com os interesses dos que por este partido se sentirão representadas ou representados, um espaço partidário muito mais “familiar” a elas, já que elas estarão no comando e no centro das decisões partidárias, embora o partido não seja necessariamente exclusivamente composto por mulheres. Em se tratando de um partido democrático, naturalmente o será tanto interna como externamente. Em nenhum momento se prega a exclusão, mas sim a igualdade de gênero. O que se pretende fixar é uma filosofia de luta pela supressão de uma relação de dominação injusta, opressora e excludente exercida pelos homens sobre as mulheres e por uma classe dominante sobre uma classe subalterna. Daí a natureza libertária e igualitária do programa e do manifesto da nova agremiação partidária.