E se Maria Felipa fosse a imperatriz do Brasil?

E se Maria Felipa fosse a imperatriz do Brasil?
Maria Felipa e Dom Pedro l

 

 

A Baía de Todos os Santos marulhava negra, atroadora, debaixo de uma cerração cor de ferro, com borbolhões de vagas grossas como golfadas de óleo – diria o acadêmico baiano Xavier Marques.

 

O ano era 1829. O imperador Dom Pedro I e a pescadora Maria Felipa estavam prestes a se conhecer. O nobre vivia na flor dos 31 anos; a idade da trabalhadora braçal era incerta.

 

Como fazia todos os dias, Maria Felipa mariscava na orla.

O nobre português vinha no meio de um comboio de cavalos árabes e carruagens. Ao ouvir o tropel, Maria Felipa levantou os olhos, enxugou o suor da testa brilhante, mirou a poeira subindo aos céus de Itaparica.

 

Notando a aglomeração de pescadores à cata de mariscos, Pedro ordenou ao condutor do coche:

 

– Parais um momento aqui, quero ver o labor desse povo.

 

Não demorou para reparar na negra alta, de turbante e colo generoso. A mulher não parou de remover os maçunins das tocas, mesmo com a sombra imperial se projetando sobre seu corpo.

 

– Qual é a vossa graça? – indagou Pedro.

 

– Maria Felipa de Oliveira – informou, secamente.

 

Pedro lhe fez várias perguntas mostrando curiosidade pelos afazeres da baiana. Ali, à beira mar, todavia, coexistiam duas verdades submersas como conchas na areia. O imperador estava encantado com a beleza de Maria Felipa; ela liderara, há sete anos, um grupo armado de tapuias, negros, pescadores e mulheres pela liberdade do Brasil. Apenas seu grupamento, na ocasião, incendiara 40 naus portuguesas.

 

Depois de contar a Pedro detalhes de seu dia a dia no mar, este disse:

 

– A Corte amaria se narrásseis vossa azafama diária. Levantai-vos, irás conosco ao Rio de Janeiro.

 

Pedro I mandou que se engalanasse Maria Felipa com os melhores panos, joias e adereços. A guerreira via, por seu lado, uma boa chance, pela proximidade com a Corte, de obter informações sobre as reais intenções de Portugal em relação à sua ex-colônia.

 

Feito uma Mata Hari negra, Maria Felipa se tornou concubina do imperador. Ficaram nessa condição por tempo suficiente para que o fidalgo se esquecesse até da Marquesa de Santos. Mais: Pedro estreou o desejo de se casar com a marisqueira da Ilha de Itaparica.

 

Em 1831, por causa das grandes pressões familiares pela sua união, abdicou do trono. Aqui deixou a imperatriz Leopoldina, mas levou para Lisboa Maria Filipa de Oliveira Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon.

Pedro I então foi lutar na Guerra Civil Portuguesa. Três anos depois faleceu vítima de tuberculose. Maria Felipa retornou ao Brasil e assumiu o trono. Compôs um ministério formado por negros, mulheres, indígenas e pescadores. Não só revogou a escravidão, como mandou à forca todos os que se opunham às novas leis.

O Brasil passou a liderar o continente. Maria Felipa era recebida calorosamente no exterior por presidentes, cientistas, escritores e divas da ópera.

Até os dias de hoje, em pleno século 21, se nota a relevância da passagem da imperatriz negra pela política nacional.

 

O racismo no país agora é ínfimo, a democracia dá o tom, líderes fascistas obtém votações baixíssimas e nunca conseguem se tornar tiranos messiânicos. O país aboliu o uso de armas de fogo. Deve ser por tais razões que milhões de portugueses sonham em se mudar para cá.

 

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Carlos Castelo é jornalista e cofundador do grupo musical Língua de Trapo. É autor de 16 livros que vão de crônicas à poesia, e de aforismos a micronarrativas.


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