Dossiê | O tabu do suicídio
Rafael Assef , Corpo Inteiro, 1997 (Foto: Reprodução)
"Ser ou não ser: eis a questão." Quando Hamlet faz a pergunta decisiva, o suicídio entra em cena na história ocidental de maneira inédita. Em um intervalo de apenas 40 anos, mais de 200 suicídios são encenados no teatro inglês, em cerca de uma centena de peças. Mas é Shakespeare quem expressa com brutal simplicidade o dilema existencial fundamental sobre nossa liberdade de viver e de morrer. Ele sabe que “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem sentido algum”.
Estamos em 1600. Pouco antes, o suicídio era condenado como o mais deplorável dos crimes. Na Idade Média, o cadáver do suicida era condenado a suplícios terríveis, ao enforcamento público ou arrastado nas ruas por um cavalo. À família do suicida, restava a vergonha, a culpa e a pobreza: além do corpo supliciado, os bens eram confiscados. Na aurora da modernidade, quando o silêncio eterno dos espaços infinitos apavorava o homem agora descentrado, Romeu e Julieta escolhem a morte prematura. Os espectadores do teatro elisabetano frequentam as salas e falam do assunto tabu. O filósofo Michel de Montaigne aborda a morte voluntária com uma sobriedade que apenas os céticos ensaiam. Depois de arrolar, à moda dos antigos, argumentos a favor e contra o suicídio, Montaigne analisa casos concretos. Ele sabe que argumentos não resolvem o dilema de ser ou não ser. Na melhor tradição cética, desconfia das soluções universais, embora admita certas circunstâncias favoráveis, como evitar a dor física extrema ou uma morte cruel. Mas, ao fim e ao ca
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