Democracia no Brasil: um breve histórico

Democracia no Brasil: um breve histórico

 

A democracia costuma vir associada a dois conceitos-chave: o de liberdade e o de igualdade. Doses diferentes desenham formas diversas de democracia. Num extremo, as liberdades individuais sobrenadam direitos coletivos, no outro, importa a igualdade entre os cidadãos.

No Brasil, fez-se a independência em nome da liberdade. Depois de a família real ter, em 1808, fugido da invasão napoleônica, a colônia ganhou prestígio e, em 1815, foi equiparada à metrópole, com o Reino Unido. Mas as cortes de Lisboa, em 1821, pretenderam a recolonização. Portugal perdeu o Brasil, que era a garantia de sua importância. Raro caso de revolução liberal que trouxe atraso, dando a noção das contradições que o liberalismo assumiu em terras lusas.

O reconhecimento da autoridade de Pedro I não foi pacífico. Na Bahia, os portugueses resistiram, à bala. A adesão dos senhores do Recôncavo deu-se quando se convenceram que a independência garantiria o modelo escravista. Um levante escravo em 1816 aterrorizara, numa região com só 20% de população branca. Foi apenas a primeira de uma série de revoltas que culminou com o levante dos Malês, em 1835.

A monarquia constitucional foi admitida como instrumento de preservação do escravismo. É claro que se esperava que a casa real europeia ajudasse no reconhecimento da jovem nação. Mas a fórmula centralizada foi aceita porque a unidade jurídica era essencial para evitar que uma província liberal abolisse unilateralmente a escravidão. Eis o segredo da unidade territorial brasileira, enquanto a América espanhola se esfacelava. Eis o limite da democracia coroada.

Menos de 1% da população exerceu efetivamente o direito ao voto. Mas a grande questão ao longo de todo o império foi a tensão da centralização. Na colônia, as províncias nem sequer tinham tradição de se reportar a uma capital. A Inconfidência foi mineira, não brasileira. Os pernambucanos de 1817 defendiam uma confederação. O tema voltou logo após a outorga da centralizadora Constituição de 1824, com a eclosão da Confederação do Equador. Em 1828, o Uruguai tornou-se independente do Brasil. No Pará, a Cabanagem (1835-1840) derivou em guerrilha rural, matando 20% da população. Na Bahia, a Sabinada, em 1837, sublevou tropas militares e a miuçalha urbana. A Balaiada, no Maranhão (1838-1841), virou guerrilha popular. No Sul, a Farroupilha (1835-1845), controlada pela elite, constituiu uma república. E há quem diga não ter o Brasil tido uma história cruenta.

Democracia de fachada

O risco de rebelião das massas e de desmembramento era tamanho que se aceitou o Poder Moderador como árbitro do sistema parlamentar. O Segundo Reinado conseguiu estabilidade, progresso econômico e liberdade de imprensa. Mas, sem poder conciliar liberalismo e escravidão, o império nunca aprovou um Código Civil, promulgado apenas em 1917.

Abolida a escravidão, a unidade jurídica perdeu razão de ser. Um golpe proclamou a república em 1889. Instituiu-se a federação, mas a autonomia só valeu para estados ricos e armados. E a remoção do Poder Moderador expôs toda a brutalidade da fraude eleitoral. Sem válvula de escape, a elite se engalfinhou. A Revolução Federalista (1893-1895), conectada à Revolta da Armada, bombardeou o Rio de Janeiro, conflagrou três estados, envolveu nações estrangeiras e formou um governo paralelo na hoje Florianópolis.

Presidencialismo com democracia de fachada. Basta dizer que a pena de morte e os castigos corporais continuavam aplicados na surdina, como informa a Revolta dos Marinheiros, de 1910, e a tragédia do navio Satélite, quando os oficiais se vingaram dos amotinados jogando-os ao mar ou abandonando-os na selva. Mas o que esperar de uma república que, em 1897, se lançara a massacrar o povo pobre e sertanejo de Canudos, por temê-los restauradores?

O período mais liberal da economia brasileira fez logo sua primeira vítima: a liberdade de imprensa. E implantou a oligarquia.

A república inaugurou o mito de que as rupturas seriam democráticas. O estado de sítio e a ameaça golpista tornaram-se recorrentes, coroados por 1964, que se pretendeu revolução democrática. Verdade que a esquerda não era santa: Brizola defendera em 1963 o fechamento do Congresso. Mas havia avanços. A Revolução de 1930 modernizara a burocracia e trouxera a legislação trabalhista urbana, mas também a Justiça Eleitoral. Ainda assim, em 1962, apenas 24% da população adulta votou.

Entre o nazismo e o stalinismo, Getúlio Vargas achava o seu Estado Novo liberal. O regime pós-1964 censurou, cassou e torturou, mas conviveu com eleições. Prova não ser o voto universal condição suficiente para a democracia.

Anos 1980

O país chegou aos anos 1980 desesperançado. Emergíamos da ditadura, da qual os militares saíam arrastando andrajosa sua veleidade taumaturga. Mergulhávamos numa crise econômica, com inflação, moratória e recessão. Mal dialogávamos com o exterior, e o país do futuro era um fracasso.

Mas na década perdida, entre erros e acertos, havia vontade de mudar. A sociedade se organizara razoavelmente e o país se urbanizara. Indústrias e cidades criavam seus problemas, mas golpeavam o homem cordial e a indistinção entre espaços público e privado.

Em 1985, a Lei da Ação Civil Pública reconheceu direitos indisponíveis, difusos, coletivos: um novo paradigma para a cidadania. A Constituição de 1988 ampliou direitos sociais, sendo a previdência e o habeas data dois exemplos do universo descortinado. O Ministério Público ganhou garantias e atribuições na área civil, tornando-se instituição única no mundo. O STF foi empoderado e municiado com o sistema de controle da constitucionalidade das leis à brasileira, híbrido. Não menos importante é o substrato infraconstitucional que veio em seguida, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código do Consumidor, a Lei da Improbidade e o Código do Meio Ambiente.

Se no campo político o país amadurecera, afastando a miragem da ruptura institucional, no econômico também cansou das mágicas, reconciliou-se com o mercado e construiu consenso em torno das reformas macroeconômicas. A moeda estável fortaleceu a autoestima. O crescimento foi retomado. O espectro do elitismo e o terror ideológico foram afastados com a eleição de um operário à Presidência. Programas sociais têm contribuído para minorar a pobreza. Dentre os grandes emergentes, conseguiu conciliar modernização e estabilidade institucional. Não é pouco ter hoje um processo eleitoral mais confiável do que o dos Estados Unidos.

Violência? Menos do que no México. Corrupção? Muito menos do que na Argentina, na Índia, na China e na Rússia. A qualidade dos políticos cai? Menos do que na Itália. Imagem ruim da política? Tanto quanto nos EUA. Intolerância e racismo? Bem menos do que na maioria das sociedades europeias. Discurso único como na Venezuela? Nem pensar.

Há múltiplos fóruns na sociedade: empresas, sindicatos, o terceiro setor e uma imprensa razoavelmente livre. A poliarquia de Robert Dahl. Claro que há muito que melhorar, mas nada autoriza o pessimismo.

O que está dando errado? Para Dahl, o entendimento esclarecido – amplo conhecimento das regras do jogo pelos cidadãos – é essencial. Séculos de um sistema educacional precário inviabilizam aqui essa condição. Sem educação de verdade não qualificaremos o debate público. Democracia, como diz Stephen Holmes, não é simplesmente o governo da maioria, mas é, sobretudo, o governo que se dá pela discussão pública.


 

(4) Comentários

  1. OLá, boa tarde,
    Gostaria de saber quem é o autor desse texto, já que vou utilizá-lo em uma pesquisa sobre a democracia no Brasil. Aguardo retorno.

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