Décio de Almeida Prado lança crônica da fundação do teatro nacional
Quando o crítico Décio de Almeida Prado assistia a uma peça de teatro, despertava logo uma grande preocupação entre os atores e diretores. “O que será que ele achou?” Esta pergunta, por exemplo, foi feita várias vezes pelo ator Paulo Autran. Ele sabia que aquele sujeito alto, extremamente educado, não era um crítico rasteiro, cheio de ressentimentos, como é comum encontrar hoje em dia, mas sim um intelectual de primeira linha, co-fundador da revista Clima, com seus amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado e o casal Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido. Além disso, entre os anos 40 e 60, foi diretor do “Suplemento Literário” de O Estado de S. Paulo e também o responsável pela crítica de teatro no jornal. Sua crítica não era para demolir e, como conhecedor profundo do assunto, ele procurava estimular o próprio teatro brasileiro.
Hoje, aos 81 anos, com 11 livros importantes publicados sobre o teatro brasileiro, Décio de Almeida Prado sintetizou alguns de seus trabalhos e montou um panorama objetivo sobre o teatro nacional. O resultado é História concisa do teatro brasileiro (1570-1908), lançado pela Edusp na Bienal do Rio de Janeiro. O livro, fartamente ilustrado com caricaturas e fotos de época, sintetiza alguns anos de estudo e outros trabalhos de Almeida Prado, apontando as linhas de força e os momentos fundadores de uma tradição teatral nacional. Tudo isso costurado por uma prosa clara e que tem os contornos da crônica histórica e o comentário sucinto de algumas peças escolhidas exemplarmente. Vale dizer que o livro torna-se rapidamente uma leitura obrigatória e, além disso, extremamente prazerosa do começo ao fim.
Para explicá-lo, ninguém melhor que o próprio autor, nas linhas do seu prefácio: “Se retornei à história do teatro nacional, em versão sucinta, foi para destacar-lhe as grandes linhas, o arcabouço, ainda que com o sacrifício de particularidades de ordem artística. Em conseqüência disso, sem que eu o planejasse, avultou a parte social, o diálogo que os nossos dramaturgos e comediógrafos travaram com os acontecimentos históricos do Brasil, sobretudo no século XIX.” Se algumas peças, como ele mesmo ensina, não chegaram a um bom termo estético, ficaram e se justificam como importantes documentos históricos.
Almeida Prado parte do período da colonização, destacando o teatro de José de Anchieta, que ele nomeia como “sermões dramatizados” – termo que resume bem aquelas peças cheias de curumins, anjos, demônios e figuras alegóricas.
Mas o teatro viria, de fato, a se instalar no Brasil e ganhar importância muito depois, com o advento do romantismo. É no século XIX que surgem as primeiras peças verdadeiramente nacionais, os primeiros atores importantes como João Caetano (tema que já mereceu dois livros de Décio de Almeida Prado) e a chegada de companhias estrangeiras. Como ensina esse ex-professor de história do teatro na USP, foi pelas mãos de João Caetano que a primeira tragédia e a primeira comédia nacional chegaram aos palcos brasileiros: Antônio José ou O poeta da Inquisição, do poeta romântico Gonçalves Magalhães, e O juiz de paz da roça, de Luiz Carlos Martins Pena. Com o primeiro nasce o drama moderno brasileiro; e o segundo marcou a comédia do século XIX, tirando o Brasil da coxia e colocando-o em cena, com seu cotidiano, sua fala e suas figuras típicas.
Outros românticos também armaram diálogos para o palco, como Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves e José de Alencar, analisados por Almeida Prado, que dedica ainda um capítulo de seu livro para retratar os tipos de espetáculos que corriam pelos teatros do Rio de Janeiro, como a opereta-bufa, o teatro de revista e a mágica. Dentro desse cenário, surge um dos nomes mais fortes de nossa tradição: Artur Azevedo, que soube adaptar peças estrangeiras para o jeito brasileiro, seguindo a receita de Martins Pena. Como a tragédia e o drama não conseguiram fincar raízes, foi esse tipo de espetáculo que predominou no Brasil, “dando origem à nossa única tradição teatral: a comédia de costumes”, conforme sintetiza Décio de Almeida Prado em História concisa do teatro brasileiro.
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Lido em 01-10-2023.