Corre, Vitim!

Corre, Vitim!
(Arte: @fsaraiva)

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Putz! Na correria, eu bati a porta do barraco e nem me liguei se tranquei ou não. Agora isso não faz diferença. Primeiro, porque não tem nada naquele barraco que mereça ser roubado. Segundo, porque num dá tempo pra voltar e trancar. Não posso perder o busão das dez pras cinco e já deve ser umas quatro e quarenta. É melhor eu corrê. A entrevista tá marcada pras sete na Lisar.Br. A Sílvia fortaleceu me indicando pra essa vaga. Tô mais de ano sem um trampo fixo, vivendo de favor, como o da dona Rosa, que me emprestou o dinheiro da passagem. Putz! Tem alguém ali na viela. Será que é polícia? Com essa neblina num dá pra vê nada. E o pior é que num dá tempo pra dar a volta pelo beco de baixo. Vô tê que passar por aqui mesmo. Putz! Tá vindo pra cá. Mó frio. … Pô, suave. É o turco loco.

– Salve, Turcão!

– Salve, Vitim! Tá procurando um pó?

– Nãão, mano! Tô de boa. Tu sabe que eu não curto essa parada.

– Eu tô ligado. Mas é que tú nunca colô aqui na madruga.

– É que eu tô indo vê um trampo lá no centro.

– Daora, moleque! Tu merece.

– Valeu. Deixa eu me jogá, senão, eu perco o busão.

– Pô, pode crê. Vai na fé, irmão.

– Falô.

– Aí, Vitim, fica ligero lá no centro, mano. O bagulho tá loco.

– Suave, mano. Com trabalhador é outra fita.

– Num sei não, truta. Só fica esperto.

– Valeu, mano. Deixa eu vazá.

– Vai lá.

– Falô?

– Falô.

O Turcão tá mandando eu ficá esperto, mas quem tem que ficá ligeiro é ele. Os polícia tão invadindo a quebrada na direta e sentando o dedo na geral. Semana passada, o cana passô o Luquinha do nada. E olha que o moleque nem era do corre. Ele só falava daquelas parada de cursinho, de faculdade. Subiu! O bagulho é loco. Até a Jana tava falando em estudar. Putz! O busão já fechô as porta?! Fechô! Tá saindo. Corre, Vitim!

– Espera! Espera!!

Mas quá! O cabra chega atrasado no ponto e qué que eu espere? Tu tu tutu. Tem nego que não se enxerga. Eu tenho horário para cumprir. E motorista que para pra esperar passageiro atrasado é que acaba se atrasando. Tu tu tutu. Não vou esperar, não.

Putz! O motor tá acelerando? Será que ele num me ganhô no retrovisor? Não posso perdê esse busão. Eu preciso do trampo. Corre! Corre, Vitim!

– Espera! Espera!

Mas quá! Se eu me demoro para chegar no ponto final, os fiscais não querem nem saber do motivo: é advertência e pronto. E três advertência é rua. Nos dias de hoje, num tá fácil para ninguém arranjá trabalho. Se eu paro este ônibus para esperar este cabra, quem se ferra sou eu. Tu tu tutu. Não vou parar, não…

…Corre! Corre, Vitim!

– Espera!

Padre Cicero! O cabra ainda tá correndo atrás do ônibus?! Desse jeito o pobre infeliz vai morrer. E do jeito que as coisas estão, vão dizer que a culpa foi do motorista.

– Parô? Parô. Corre!

– Obri… …gado, motô!

– Ufa! O frio até passô. Beleza, tem até lugar pra sentá. Tô precisando de um ar. Será que essa mina no banco de trás vai achá ruim se eu abri o vidro? Ela tá com o olhar meio perdidão na paisagem, num vai nem se ligá. Vô abri …

– Moço, você pode fechar a janela, por favor?

– Ah, claro. Desculpa.

– Brigada.

Pode crê. Tá mó frio lá fora. Quem parece nunca senti frio é a Jana. A mina acorda na madruga, acende o fogão à lenha, prepara as cocada dela, sai pra vendê e volta pra favela com os remédio da mãe dela. A dona Judite tá com a saúde zuada. Se não fosse a Jana pra cuidar da véinha, a dona Judite já tinha subido. Se eu consegui esse trampo, eu tiro elas desse buraco. Eu caso com a Jana no mó barato. É só ela querê. O salário num é um dos melhores, mas já é um salário, uma segurança. Dá pra levar a Jana pra dá um rolê no shopping, comê um lanche, bebê um refri, comprá uns pano; a Jana gosta de uns vestido todo colorido, cheio de flor e outras parada. Si pá dá até pra alugar um cômodo no asfalto, saí da lama; levá dona Judite no hospital, passá a veia no médico, vê qual é o problema dela, comprá os remédio tudo certim, pra vê se ela melhora. E, se a Jana quisé, nóis engata dois pivete. Já tô até vendo os moleque empinando pipa o dia inteiro, correndo pra lá e pra cá com uns pisante daora no pé. Vai sê mó daora ensinar os pivete a jogá uma bola. Qui nem profissa. A mãe deles vai batê mó sujeira com esse bagulho de escola, mas si pá ela tá certa mesmo. Se eles estuda, eles vão podê entrá na faculdade e ajudá os outros moleque, igual o Luquinhas fazia. Ajudá de verdade. Não igual os playba faz no final do ano. Trazê brinquedo e doce, como se quisesse nos recompensá pela gente ser pobre e não tê saído da favela. Sai fora! Isso num é ajuda; é humilhação. O que a gente precisa na quebrada é de oportunidade e não de caridade. Com certeza a Jana fecha nessa batida comigo. Já flagrei ela ensinando as criança a brincá de roda, de amarelinha, de cantoria e outras fita. A Jana é daora. Eu vô fazê uma economia e vô comprá um fogão a gás pra ela. Pra ela ensiná a geral fazê uma cocado no ponto. Ponto?! Putz! O ponto. Passei do ponto! Levanta, Vitim! Corre! Aciona a parada! Paga a passagem! Gira a catraca! Corre pra porta! Para motô!

Mas quá! Preto sem noção! Quer embarcar e desembarcar fora do ponto? Tu tu tutu. Não vou parar não. Só no próximo ponto.

Putz! Vô me atrasá. Eu não posso perder esse trampo, mano. Preciso comprar um fogão pra Jana. Vô abri essa porta na mão e me jogá.

Mas quá! O cabra tá abrindo a porta na marra, com o ônibus em movimento?! Desse jeito o infeliz vai morrer e vão dizer que a culpa foi do motorista.

Tá parando? Beleza! Parô. Valeu! Putz! Tá mó longe. Vô tê que corrê. Mó cota aí. Tô em cima da hora. Corre, Vitim! Corre! Vai dá tempo. Corre! Putz! Os homi…

– Parado aí, neguim! Mão na cabeça!

– Sim, senhor.

– Tá correndo por quê?

– Ô, senhor, eu tô indo vê um trampo.

– Trampo?

– Sim, senhor.

– Trampo, né? Onde?

– Na Lisar.Br, senhor.

– Tá longe, num tá, não?

– Tá, sim senhor.

– Trampo de quê?

– Faxineiro, senhor.

– Faxineiro?

– Sim, senhor.

– Faz o seguinte: entra na viatura aí! Hoje ‘cê vai faxinar outro lugar.

por Marcos Rocha


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