A árvore de dinheiro

A árvore de dinheiro
(Ilustração: @photo.jaksys)

 

O sol já se levantou tórrido e inclemente na pequena aldeia de Cabrália. Aquela manhã no sertão da Bahia, até então, parecia-se com todas as outras. A vila era um punhado de casas de pau a pique em meio a um tórrido deserto. O solo daquele antigo semiárido estava ressecado e rachado pela falta de chuva, já ausente nos últimos trezentos anos devido às mudanças climáticas, e parecia cenário de algum daqueles filmes pós-apocalípticos trash, subprodutos de Mad Max.

Sérgio acordou com os gritos de seus filhos Max e Valéria pedindo para que ele e sua esposa Úrsula viessem ao quintal da casa. Imediatamente eles se levantaram e foram até o local. E pararam de súbito diante de uma frondosa árvore, cujas folhas eram cédulas de dinheiro e os frutos, moedas – ambos de vários países. Real, dólar, euro, iene, peso e até mesmo bitcoin. Algo tão espantoso como o próprio nascimento da árvore naquele lugar, que não sabia o que era água havia muito tempo.

Os vizinhos não demoraram a chegar para conhecer a maravilha. Uns queriam que Sérgio lhes desse algumas notas, embora se lembrassem de que não havia nada de fascinante para comprar, como um carro importado, uma mansão, um iate, roupas caras… Outros queriam o dinheiro para comprar comida e a tão escassa água. Mas Sérgio e Úrsula, que não estavam dispostos a dividir sua riqueza com ninguém, expulsaram todos sob a mira da espingarda.

A notícia logo se espalhou pelo vilarejo, e a população local foi parar em frente à casa de Sérgio para tentar colher as flores e os frutos dessa árvore dourada. O casal fortificou a propriedade com arame farpado nos muros e cacos de vidro no chão. Entretanto, os moradores de Cabrália não se deram por vencidos e decidiram incendiar a propriedade para tomar seu imenso tesouro.

Sérgio e a família esperavam pela investida e se armaram contra ela. Os invasores foram recebidos a bala pelo casal e seus dois filhos. Mas, como também haviam trazido armas de fogo, responderam o ataque à altura. O tiroteio durou cerca de meia hora e terminou com o saldo de mais de cem mortos, incluindo Sérgio, a mulher e os filhos. Mais da metade da população havia perecido ali. Mas a contenda ainda não havia terminado. Alguns sobreviventes invadiram a casa e caíram nas armadilhas mortais armadas secretamente por Sergio e sua família. Outros decidiram levar a cabo o incêndio da propriedade, mas acabaram sucumbindo ao fogo, que consumiu tudo muito rapidamente, inclusive a maior parte dos galhos do grande tesouro vegetal. O local ardeu durante um bom tempo, sem que ninguém mais aparecesse para debelar o fogo.

Passaram-se dias, semanas, meses, e a grande massa formada por restos de madeira, vegetação e corpos humanos pouco a pouco se transformou em matéria orgânica. As raízes da árvore se encheram de vida novamente, e, de seus galhos, voltaram a brotar cédulas e moedas. Graças a todos os habitantes de Cabrália, que, absorvidos ali pelo solo, deram um excelente adubo.

Por Felipe Keppler

 


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