A cara do novo Congresso e o futuro da democracia

A cara do novo Congresso e o futuro da democracia

 

Os bolsonaristas tiveram esta semana, além do alívio de terem escapado da derrota na disputa presidencial já no primeiro turno por apenas 1,6% dos votos, alguns motivos para empolgação. A eleição para o Senado e a Câmara dos Deputados foi ocasião de festa, embora não se tenha tratado realmente de uma surpresa, considerando-se que já havia a previsão de aumento das cadeiras parlamentares ocupadas por partidos de direita. Além disso, houve efetivamente a consolidação de um fato novo na política brasileira: voltamos a ter grandes partidos de direita, coisa inusitada desde o fim da Arena e a fragmentação da direita nos anos 1980.

De fato, faltou apenas uma vaga conquistada para o PL bater a casa dos 100 deputados e controlar, sozinho, 20% da Câmara. O PSL, que havia feito 52 deputados em 2018, juntou-se ao DEM para formar o União Brasil e agora o conjunto conquistou 59 assentos na Câmara. Com isso, o DEM, que vinha em declínio eleitoral, perde a camuflagem de partido do centro democrático, com que se disfarçava com a cumplicidade do jornalismo, e assume as suas feições nitidamente de direita, em conformidade com o seu DNA. O PP e o Republicanos diminuíram um pouco com relação ao tamanho da bancada atual, mas ainda assim têm uma bancada de 47 e 41 deputados, respectivamente.

Somados todos, os partidos da direita controlarão 51% dos votos na Câmara dos Deputados, um fato absolutamente novo desde o fim da Ditadura Militar. O fato é ainda mais impressionante se contarmos que em 2014 elegeram pouco menos que 1/3 dos deputados da Câmara Federal. Um salto e tanto. No Senado Federal, embora o quadro não esteja fechado por conta de senadores licenciados para disputar governos estaduais, o panorama é similar e hoje controlariam entre 40 e 50% daquela Casa Legislativa.

Claro, como nada é simples na política nacional, não poderia ser elementar o que diz respeito à composição do Congresso. Essa metade do Congresso, que vai do PL ao PP, da União Brasil ao Republicanos, do PTB ao Patriota e ao Novo é realmente de direita?

Bem, não há dúvida de que uma direita e uma extrema-direita ideológicas vieram a reboque do bolsonarismo, surpreendentemente se institucionalizaram nos partidos políticos e, pela primeira vez, tudo isso aconteceu numa proporção importante. Note-se a este respeito a eleição de bolsonaristas radicais que apareceram de surpresa com a onda antipetista de 2018 e que novamente foram sufragados com decisão pelos eleitores dos estados. Há claramente o dedo de Bolsonaro na consagração dessas candidaturas ideológicas, com o notável sucesso eleitoral de candidatos cuja única qualidade reconhecida é o fato de serem fiéis e fervorosos seguidores do presidente.

Mas nem tudo é bolsonarismo nessa seara, pois a maior parte da massa de deputados do PL e do PP veio das mãos de Arthur Lira e seu orçamento secreto, de Valdemar Costa Neto e de Ciro Nogueira, que não são propriamente convertidos ao bolsonarismo, mas membros devotos de outro credo cuja profissão de fé é no fisiologismo e no clientelismo. O bolsonarismo puxou candidatos e votos para esses partidos, mas a sua base e a sua imensa maioria continua sendo de fisiologistas vulgares, prontos a trocar apoio parlamentar por cargos e indicações, por muito, muito dinheiro do orçamento público, e, a novidade, por participação no poder político. Não rezam pelo credo de Bolsonaro, mas, pagando bem, que mal tem? No momento é esta, para todos os efeitos, a nossa ideologia, mas se for eleito outro presidente, bem, temos outras ideologias aqui na gaveta ao gosto do freguês.

Se a eleição presidencial ainda está, portanto, pendente, a cara do Congresso Nacional já está dada e não é animadora para os liberais-democratas. A velha Arena, o partido da Ditadura, se reintegrou novamente em uma frente de grandes partidos de direita que controlam mais da metade da Câmara e muito mais que 1/3 do Senado. Se Bolsonaro for eleito presidente terá o Congresso dos sonhos para realizar sua obra de desmantelamento ou captura daquelas partes do Estado que ainda conseguiram pôr obstáculos ao seu autoritarismo bruto e ao seu projeto de poder iliberal, a começar pelo prometido aumento no número de juízes do STF e pelas reformas da Constituição no sentido que lhe interessam.

Sei que ninguém dá sinais de estar pensando nisso, o que é ótimo, mas parece que “golpe”, enfim, saiu do grupo. Desde domingo não se fala mais de golpe nem de fraude eleitoral. Sim, há ausências que fazem um bem danado, mas, tudo somado, é ganho para o bolsonarismo, pois é menos arriscado ter uma maioria tão grande nas Casas Legislativas que permita continuar a obra de destruição e de controle pessoal do Estado, do que governar à base de tanques e coturnos. Como disse um pequeno homem certa vez, “que Deus tenha misericórdia desta nação”.

 

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)


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