As dimensões do mal

As dimensões do mal
  O caos realizou outra obra-prima. Porém, como no assassinato de Duncan, bom rei da Escócia, esfaqueado pelo traidor Macbeth, outrora súdito dedicado e melhor general, o mal não completa seu serviço com um golpe político. Um golpe, como um assassinato, não é o fruto mais sutil do mal, que habita com frequência os detalhes. Como nos ensina Shakespeare, que nessa tragédia mergulhou fundo na ambição humana, exibindo-a ardilosa em seus caminhos e difícil de agarrar na superfície: “Muita vez, para levar-nos para o mal,/ As armas do negror dizem verdades;/ Ganham-nos com tolices, pra trair-nos/ Em questões mais profundas” (na bela tradução de Barbara Heliodora). O crime maior ilude, mas está longe de ser o mais danoso. Por isso, Malcolm, filho de Duncan, discorda de Macduff, que afirmara: “Nem na tropa/ Que habita o inferno pode haver demônio/ Pior do que Macbeth”. Essa verdade saliente, por ser Macbeth “falso, sangrento, enganador, luxurioso”, não o tornaria pior que os “detalhes de vícios arraigados” – estes sim, por sutis, bem mais graves e ilimitados. Simulando ser o mais indigno dos mortais para testar a lealdade de Macduff, Malcolm nos descreve os vícios insidiosos que seriam os mais abomináveis (culpas de que se acusa, mas que acredita lhe serem estranhas), como a volúpia sem limites, incapaz de reconhecer o outro e seus direitos, e uma avareza insaciável, que “tiraria aos nobres suas terras;/ Tirando joias de uns, casas de outros”, mas sobretudo faria “forjar lutas iníquas entre os bons,/ Só para ter seus bens”

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