A oniropolítica e a “peste” freudiana
(Ilustração: Marcia Tiburi)
O livro Sonhos no Terceiro Reich (1966), de Charlotte Beradt, é comovente e perturbador. Ao reunir o registro de centenas de sonhos de pessoas que viveram na Alemanha nos anos de 1933 a 1939, ela adicionou aos registros históricos, sociológicos e testemunhais uma outra camada de compreensão sobre o poder brutal do nazismo. Beradt copiou os sonhos em códigos, escondeu-os em encadernações de livros espalhados pela sua casa e os enviou como cartas para amigos em vários países. Com certeza tal esforço se deu porque a autora reconheceu nas imagens fragmentárias das experiências oníricas uma eloquência assombrosa que falava por si, dispensando qualquer interpretação. Nos últimos 54 anos, esse livro foi citado apenas ocasionalmente. Talvez uma das explicações para isso seja exatamente que em sua clareza dolorosa não há nada a interpretar.
Ao justificar as escolhas metodológicas de seu trabalho, Walter Benjamin formulou a expressão “nada a dizer, só a mostrar”. Benjamin viveu e produziu em um tempo contemporâneo ao de Sigmund Freud, a década de 1930; apesar de não ser psicanalista, tinha nos sonhos e na psicanálise um importante tema de análise e de estudo. É conhecida a noção de
que, para Benjamin, o sonho carregava em sua montagem a articulação entre o adormecer, o sonhar e o despertar. Em seu livro Passagens (póstumo), encontramos a ideia de que o sonho tem também uma dimensão de análise social a ser explorada, ou seja, os restos do dia, que aparecem no material onírico de cada um, estabelecem uma ligação com o coletivo
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