Reflexões sobre o trauma: rendição e resistência
Ferenczi (no centro da segunda fileira), posa com Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Ernest Jones, G. Stanley Hall, A.A. Brill e muitos outros em evento na Clark University, em Massachussets, EUA, em 1909 (Foto: Wellcome Collection)
Sándor Ferenczi desenvolvia suas ideias com base em inquietações clínicas. Muitos dos conceitos que propôs ainda conservam frescor e são ferramentas úteis para pensar problemas sociais e políticos como a violência e o racismo. A noção de identificação com o agressor é um caso exemplar disso.
No começo dos anos 1930, Ferenczi aprofundou a investigação de um tema que lhe era velho conhecido: a influência danosa que figuras de poder e/ou cuidado podem exercer sobre a criança. Ao atender pacientes severamente traumatizados, ele notou que muitos têm uma sensibilidade aguçada dirigida a quem, numa relação assimétrica, é menos dependente e vulnerável. Nas análises, esses pacientes se mostravam atentos a todo e qualquer sinal de aprovação ou antipatia, aos estados de humor e aos desejos conscientes e inconscientes do analista. Aceitavam as interpretações com docilidade e empenho compreensivo, mesmo quando experimentavam certa confusão sobre o que lhes era dito. Ocasionalmente, porém, em sessões muito vívidas, nas quais eram reencenadas, como que em transe, situações geradoras de profundo sofrimento, os pacientes faziam protestos esparsos contra o analista. Acusavam-no de frieza, negligência, até mesmo crueldade.
Ferenczi passaria então a encorajar a comunicação desse descontentamento e a reconhecer a justeza da crítica. Em sua hipótese, os pacientes, quando incapazes de apontar o erro, o fracasso ou a hipocrisia – quando incapazes de reagir –, identificam-se com a figura dominadora de quem sentem depender. Desse modo,
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