Gênero e semblante: o efeito da escansão do tempo em duas adolescentes trans
Fefa Lins, Sem Título, 2020. Óleo sobre tela. Fefa Lins, Broderagem, 2021. Óleo sobre tela. FOTO DE SOFIA LUCCHESI/CEDIDA PELA GALERIA AMPARO 60
Se teorias de gênero tendem a fazer sucesso entre os juristas que confeccionam as leis reguladoras das mutações nas relações entre os sexos contemporaneamente, para o psicanalista a assunção de uma posição sexuada em um ser falante é um processo bem mais complexo, que não se reduz à temática do gênero – conceito inoperante na prática clínica. É necessário, mas não suficiente, insistir no teor sociogênico das mutações das normas identitárias binárias produzidas pelo contrato social heterocentrado, ainda que venham sob o argumento de que sejam performatividades inscritas nos corpos como verdades biológicas. Normas atuam como semblantes, mas não esgotam o real radicalmente singular do modo de gozo do falasser.
No entanto, é compreensível que segmentos mais progressistas do mundo jurídico tomem as mudanças no sexo sob o horizonte da visão normativa do gênero. De modo algum isso quer dizer que a essência do Direito seja tomar as normas sob os auspícios do dever. Enquanto semblante de saber, a vertente normativa do Direito mostra-se intimamente articulada ao campo do gozo. Como propõe Jacques Lacan, o Direito reconhece que “nada força ninguém a gozar, senão o superego”. Com efeito, sua função é, portanto, “repartir, distribuir, retribuir, o que diz respeito ao gozo”. Ao contrário, para a psicanálise, as questões e os impasses relacionados ao gênero, ao corpo, à sexualidade são sintomas, arranjos, no sentido de que a sexualidade encarna o desencontro entre os sexos e a desarmonia com o corpo, parasitado pela l
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