A clareira e a cidade de Rodrigo Novaes de Almeida
O escritor e editor Rodrigo Novaes de Almeida, autor de "A clareira e a cidade" (Foto: DIvulgação)
A clareira e a cidade é o quinto livro de Rodrigo Novaes de Almeida, sendo sua primeira antologia poética. O título remete ao pensamento de Martin Heidegger — para quem a linguagem é a morada do Ser, e cabe aos poetas e pensadores habitá-la. Cuidar do pastoreio do Ser. A clareira seria a abertura do Ser, um lugar aberto no meio da floresta onde as coisas são vistas em sua verdade, trazendo o que está oculto à tona.
De forma leve e meditativa, algumas questões filosóficas ganham densidade nos versos do poeta. No entanto, as questões levantadas não são metafísicas ou ontológicas, e sim aquelas que exigem uma práxis que liberte o homem da vida massificada. As inquietações filosóficas do poeta buscam um pensamento que não atropele os movimentos sociais e ao mesmo tempo dialogue com as questões atuais. De modo especial, uma antropologia.
O autor, com um olhar cuidadoso sobre as questões que tocam a nossa época e tornam a existência pobre em significado, apresenta um mosaico da vida urbana, levando em consideração todas as suas contradições e os jogos de linguagem do poder. O poeta flana por entre os abusos cometidos em nome dos interesses de uma classe privilegiada e o corpo resistente das minorias. Por isso, no primeiro poema do livro, ele admite que não quer ser poeta, mas que “se ainda tivesse meus vinte anos / escolheria o pugilismo”.
No processo dialético de desconstrução e construção, os poemas não oferecem apenas linhas de fuga, mas uma possibilidade de fazer resistência a todo sistema totalitário. Conforme Foucault, no mesmo período do Iluminismo, nasceram as prisões e as técnicas de esquadrinhamento do corpo. Nessa quarentena, o autor falava da necessidade de sacudir as evidências. Pensar a diferença é um risco, por isso há sempre uma fabricação de subjetividades e corpos dóceis.
Sob um governo que busca todos os dias o extermínio das minorias, o autor oferece uma poética que pensa a alteridade. Assim, em “Sob o domínio dos perversos”, ele escreve: “Em um Estado totalitário somos subjugados / com arbítrio, prisão e morte. / Ninguém escapa. Já no poema “O suspeito usual” o poeta oferece uma fotografia dos nossos dias: a polícia o agarrou nas imediações / do Complexo da Maré. / Era o suspeito usual. Não reagiu. / Foi encontrado com um tiro na nuca. // Sua mãe chorava diante da câmera de tevê. / A gente é preto, pobre, favelado. / Se não é deus no comando, / é o diabo dos homens.”.
Os poemas procuram clarear as evidências, encobertas pelas sombras das palavras de ordem do aparato social: “Aprenderemos de que modo se faz o homem tolo; / o homem do pensamento de superfície, utilitário e conveniente” (em “Sátira do amestramento”). Numa sociedade unidimensional, quem pensar fora da lógica dominante será considerado um louco ou desajustado. É bem-vindo apenas pelos sistemas de vigilância e punição: “e a interdição fazia deles a remição da humanidade“ (em “Remição”).
Esta obra é um convite aos leitores para pensarem além dos escombros de toda estrutura unidimensional, para quem sabe enxergar outras clareiras e mergulhar nos guetos das nossas cidades, deslumbrando um mundo melhor, em que “a poesia é o corpo sensual do saber / que escapa”.
A clareira e a cidade
Rodrigo Novaes de Almeida
Editora Urutau
68 páginas – R$ 40
Tito Leite é poeta e monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Autor de Digitais do caos (Selo edith, 2016) e Aurora de Cedro (7letras, 2019).