Sobre Gentili, seus escrotos e o limite da liberdade de humilhação

Sobre Gentili, seus escrotos e o limite da liberdade de humilhação
O comediante e apresentador Danilo Gentili, condenado por injúria à deputada Maria do Rosário (Arte Revista Cult)

 

Esta semana, o comediante e apresentador de TV, Danilo Gentili foi condenado a uma pena de seis meses por injúria à deputada Maria do Rosário, frequente objeto dos seus ataques e humilhações em mídias digitais. A ação foi aberta em virtude do que fez o apresentador, em 2017, quando gravou e publicou um vídeo registrando a própria reação a um documento, uma tentativa de conciliação extrajudicial, que lhe fora enviado pela Procuradoria Parlamentar da Câmara dos Deputados. Em resposta ao pedido de que apagasse os posts ofensivos contra a deputada, Gentili rasgou a notificação, enfiou os pedaços de papel na cueca, esfregou tudo, conforme a encenação, sobre o órgão genital malcheiroso (o cheiro foi ele mesmo quem trouxe à fala). Depois disso, põe os papéis de volta no envelope e os remete, via Correio, à Câmara Federal.

Não se enganem, Danilo não é só um comediante e apresentador. Chegou a ser o mais influente dos ativistas da direita conservadora e antipetista pois era o que tinha mais visibilidade e engajamento. Em 2015, segundo meus levantamentos, quando Bolsonaro tinha 728 mil seguidores no Twitter, Reinaldo Azevedo tinha 512 mil e Olavo de Carvalho era seguido por 203 mil pessoas, Gentili já era dono de um patrimônio de 15,9 milhões de seguidores. Então, não é que ele fosse simplesmente o mais importante influenciador digital do campo conservador, ele tinha 13 vezes mais seguidores que o segundo e o terceiro colocado, que eram a jornalista Rachel Sheherazade e o pastor Silas Malafaia, com 1,3 milhão seguidores cada. Na verdade, Danilo Gentili foi, por muitos anos, epicentro do conservadorismo que agrupava e articulava a direita online.

E o que ele fez em 2017 não foi uma mera bravata, não foi exercer a liberdade de expressar uma opinião nem mesmo foi uma piada – como disse no Twitter Jair Bolsonaro que lhe prestou publicamente a solidariedade que foi negada à família que recebeu 80 tiros de agentes do Estado esta semana no Rio de Janeiro. Foi um ato da mais pura violência, em um padrão de brutalidade raramente visto nessas circunstâncias.

Que circunstâncias são essas? Antes de tudo, trata-se de uma celebridade e não de um troglodita anônimo de algum submundo online. Tudo foi encenado na frente de uma câmera, não foi um flagrante de violência capturado secreta e involuntariamente. O vídeo foi gravado e distribuído conscientemente em mídias sociais, não se tratou de uma dessas brutalidades que são praticadas apenas quando protegidas das luzes e do olhar público. A pessoa a quem se destinava a violência e o ato de humilhação era uma parlamentar da República no exercício de um mandato, não uma Maria obscura e indefesa ante o macho ameaçador.

Por que, então, dadas todas essas circunstâncias (visibilidade, publicidade, possibilidade de reação), ainda assim Gentili fez o que fez? Porque se garante, claro. Porque tem certeza de que sairá impune, sim, certamente. Mas principalmente por três razões:

Em primeiro lugar, Gentili representa muitos, legiões. Ele se sente representante porque muitos se sentem por ele representados. A alcateia ao seu redor se sentia representada no seu desrespeito por mulheres, na sua ojeriza a políticos, na sua afronta ao que chamam de politicamente correto, no seu desprezo por Direitos Humanos, minorias, as pessoas mais vulneráveis da sociedade.

Em segundo lugar, o ritual do desacato, da afronta, da insubordinação, da desconsideração, do desaforo, do ultraje, do insulto é para eles, simplesmente, “irreverência” e tem como resposta a admiração e o afeto dos representados. Por esta razão, o ato não poderia ser oculto, discreto, tinha que ser exibicionista, ostensivo e, literalmente, obsceno, pois se destinava a alimentar e a satisfazer a alcateia e de reforçar os seus vínculos identitários ao redor do seu macho alfa, Danilo Gentili.

Por fim, a matilha já não se contentava com pouco. Dizer horrores escatológicos a Maria do Rosário (sempre ela, o alvo feminino preferido dos feios e sujos online da direita), Bolsonaro já o fez. No país da banalização do assédio sexual, do estupro, do feminicídio, haja hipérbole para chamar ainda a atenção dos embrutecidos que já estavam em alta. Seria preciso alcançar um nível muito alto de vulgaridade e sordidez, seria preciso algo realmente muito grosseiro, rebaixado para conseguir ainda mexer com a massa feroz que Gentili representa. “Que tal passar notificação no pênis do macho, em desafio, para mostrar a todos que a ela, à mulher, caberia apenas a submissão humana e sexual ao lobo alfa da nossa alcateia?”. Pois foi bem isso que ocorreu. Não se trata, portanto, de liberdade de expressão, mas de liberdade opressão, de humilhação. Exercida com consciência e propósito.

Por fim, uma nota de atualização: tratava-se do alfa daquele momento. O que Danilo não esperava era que outra figura pública, exatamente a que concorria mais diretamente com ele em vulgaridade e incorreção moral, fosse ganhar a eleição presidencial no ano seguinte, flutuando, justamente, na mesma espiral de embrutecimento que Gentili ajudou a acelerar. O país em que gentilis e bolsonaros prevalece é bruto e feio. Ainda bem que, de vez em quando, alguma Justiça se apresenta, ainda que em primeira instância, ainda que revisável.

Leia a coluna de Wilson Gomes toda sexta no site da CULT

(5) Comentários

  1. Excelente artigo, mais admirável ainda por ser escrito por um homem que, além de analisar perfeitamente o que ocorre nessa esfera de nosso contexto político, soube traduzir o que representa para a mulher esse comportamento que denota o nível da intelectualidade midiática e seu menosprezo pelo feminino.

  2. Não sei pq ninguém fala do ato obsceno que ele praticou, numa marquise de prédio, nas euforias do foradilma, em que – dentre outras coisas – enfiou o mastro da bandeira nacional no “rego”, atrás.

  3. Parabéns Prof.Wilson Gomes, concordo com todo o seu texto.. Que ae faça justiça nesse País trincado por esse governo fascista e incompetente,

  4. o gesto cafajeste tem mais de reprimido que macho alfa, no meu entender.
    ele “suja” o documento, com seu pênis e saco escrotal “sujos”.
    as perguntas que se impõem é: por que esse desequilibrado sente seus genitais como sujos?
    o que isso diz da formação da masculinidade na nossa sociedade?
    qual a relação que tem esse episódio com o mais recente do estudante nos EUA que mostra no vídeo a provavelmente colega como “a vagabunda” que ele vai “comer”? qual o entusiasmo que turbina esses 15 milhões que se espelham nesses discursos misóginos, racistas e heterohistéricos? qual a crise maior que estamos vivendo, senão a crise do Patriarcado, que reage dessas maneiras à insuportável libertação das mulheres?

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