Fenômeno de vendas, Rupi Kaur faz do trauma a matéria prima de sua poesia
A poeta Rupi Kaur, autora de 'Outros jeitos de usar a boca' (Foto: Baljit Singh)
Dois novos livros da autora que vendeu mais de um milhão de cópias de ‘Outros jeitos de usar a boca’ devem ser publicados até o fim do ano
“como é tão fácil pra você/ ser gentil com as pessoas ele perguntou/ leite e mel pingaram/ dos meus lábios quando respondi/ porque as pessoas não foram/ gentis comigo”. É assim, com um tapa, que começa Outros jeitos de usar a boca, o primeiro livro da poeta canadense nascida na Índia, Rupi Kaur.
Publicado de maneira independente em 2014, o livro chegou ao Brasil em fevereiro pela editora Planeta, depois de vender mais de um milhão de cópias e permanecer no topo da lista de mais vendidos do New York Times por 40 semanas. Seus poemas se espalharam internet afora, já que é nesta mídia que a autora costuma divulgar seu trabalho.
Os versos de Rupi são duros: tratam de abuso, violência, amor, sofrimento, maternidade, machismo e relacionamento. Falam do “interesse pelo trauma, pelo desconforto, de forma explícita e livre de ironia, e por isso corajosa”, como resume a tradutora e também poeta, Ana Guadalupe.
“Antes do meu livro, o mercado editorial achava que não havia mercado para poesia sobre trauma, abuso e cura”, disse Rupi ao The Guardian em agosto de 2016. O trauma, uma constante na vida de tantas mulheres, diz, é justamente a matéria-prima de sua obra.
“Quando eu nasci, já havia sobrevivido à primeira batalha da minha vida: o feticídio de meninas [prática comum em algumas culturas indianas]. Mas nós enfrentamos tudo. Minha poesia é uma das rotas para isso”, explica, em seu website.
Milk and honey (“leite e mel”), título original de Outros jeitos de usar a boca, faz menção ao genocídio do povo sikh na Índia – etnia do Estado de Punjab, à qual pertence a poeta e sua família. Segundo ela, os sikh, especialmente suas mulheres, saíram do massacre “suaves como o leite, mas fortes como o mel”. Seguindo a lógica da superação de um grande trauma, o livro tem quatro partes: a dor, o amor, a ruptura e a cura.
Uma das dificuldades na tradução dos poemas, segundo Guadalupe, foi justamente propor soluções que respeitassem a mistura que a autora faz de elementos da linguagem. Isso porque Rupi escreve com pontuação restrita e sem utilizar letras maiúsculas, como forma de homenagear a escrita punjabi.
“No punjabi não há distinção entre letras e há apenas pontos finais. É um mundo dentro de um mundo, exatamente como eu sou, sendo mulher e imigrante. É menos sobre quebrar as regras do inglês e mais sobre usar minha própria história no meu trabalho”, escreve Rupi.
No final do ano passado, Kirsty Melville, presidente da Andrew McNeel Publisher, publicou uma nota dizendo que a editora está animada “para continuar a parceria com Rupi e trazer sua poesia transformadora para o mundo na forma de duas novas publicações”.
A poeta, por sua vez, está “enfurnada em uma cabana em algum lugar dando os toques finais no segundo livro”. Ambos serão publicados nos Estados Unidos, no Reino Unido, no Canadá, na Índia e na Austrália até setembro. No Brasil, ainda não há previsão de lançamento.
Para Guadalupe, o contexto é propício para lançar um livro como Outros jeitos de usar a boca: “Ler poesia pode ser uma busca por outras respostas nesses tempos assustadores.”
(4) Comentários
Quero muito ler este livro em português.
Muito obrigada por me tornar consciente da existência de seres humanos tão belos e por contribuir na construção de um mundo melhor !! Gratidão
pós-modernice tola e superficial, que agrada em cheio ao establishment, porque prega o conformismo poético, doce e tolo. e ainda tem gente dizendo gratidao. Piada.
Amei conhecer a obra dessa mulher tão transparente e vivaz ! Avante !