Rodrigo Maia e o centrão que quer virar centro
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, coordena reunião de líderes partidários (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Desde o final de novembro, Rodrigo Maia tenta vender à opinião pública a concepção de que o centro político é uma ideia boa e construtiva, principalmente considerando-se o ambiente de polarização ideológica, de extremismos e de crises política e econômica, como aquele em que vivemos. Além disso, tenta vender a ideia de que existe já uma oferta política (e, imagino, eleitoral) de centro político no Brasil, presumivelmente representada por seu próprio partido, o DEM, mas também pelos Solidariedade, PL, Avante e PP, que formaram um consórcio que pagou até então os dois vídeos promocionais lançados na internet no fim do mês passado.
Não podemos negar a Rodrigo Maia e aos seus interlocutores nestes cinco partidos – mas também no Republicanos, no MDB e no PSD que namoram a ideia – o mérito de estar oferecendo, enfim, alguma novidade neste vazio de criatividade e de potência de reação em que se transformou o campo político brasileiro depois da hecatombe do impeachment e da eleição da extrema-direita em 2018, e que tem se resumido à contraposição seca, previsível e empobrecedora entre o bolsonarismo, de um lado, e o petismo ou lulismo, de outro.
Astuto como costuma ser, Maia pressente que se abriu uma janela de oportunidade, que os brasileiros estão se cansando do extremismo bolsonarista e de serem assombrados com a ameaça da volta do PT, que a mesa das pessoas continua vazia apesar de tanta retórica agressiva do governo e que as perspectivas no horizonte insistem em não aparecer, que ódio político e ideologia não enchem a barriga nem dão emprego e segurança e que, enfim, Bolsonaro foi catarse e desabafo, mas não é futuro para ninguém. A questão, contudo, é quanto vale efetivamente a ideia de um centro político viável, o quanto a perspectiva pode prosperar, e qual o seu nível de substância para além do discurso publicitário e do inegável apetite eleitoral de Maia e do DEM.
Rodrigo Maia tem um número considerável de desafios pela frente se quiser verdadeiramente abrir espaço na já conflagrada arena política brasileira para o seu projeto-Centro. O primeiro deles consistirá em convencer a opinião pública de que ele mesmo, o DEM e os partidos que estão investindo dinheiro e imagem neste projeto são efetivamente partidos e pessoas do centro político.
Os dois primeiros vídeos de propaganda do novo centro tratam em primeiro lugar de tentar convencer as pessoas de que o famigerado “centrão” é centro político de verdade. Tarefa ingrata, considerando-se que o “centrão”, como todo mundo sabe, surgiu na Assembleia Constituinte de 1987 na forma de uma designação negativa, dada pelo jornalismo e pelos seus adversários. Era uma espécie de rebotalho fisiologista e oportunista, que não podia se assumir como direita pois a ditadura acabara de acabar, mas que era contra as ideias progressistas lideradas pelo moderado Ulysses Guimarães. O DEM, na forma de PFL, já estava lá; o Avante, na forma de PTB, também. O PL já era PL e fazia parte do clube. O PP de Maluf também estava lá e se chamava PDS, de Maluf. Em suma, apesar das várias mudanças de peles e penas ao longo dos anos, o centro político de Maia tem cheiro e DNA do “centrão” de José Sarney em 1987, assim como parece exatamente o mesmo “blocão” liderado por Eduardo Cunha em 2014. Além disso, com raras exceções, muitos dos seus integrantes já foram vistos por anos nos governos do PT, quando lhes foi conveniente. Assim, em vez do lugar do equilíbrio e da superioridade moral propagandeados por Maia, o velho novo “centrão” cheira a fisiologismo, clientelismo e conservadorismo de direita, apesar da roupa nova que Maia pretende que vista.
Em segundo lugar, mesmo que Rodrigo Maia convença a opinião pública de que o velho “centrão” é uma oferta séria e consistente de um novo centro político, é preciso ver se há realmente a demanda eleitoral por políticos e projetos de centro no atual cenário brasileiro. Quando se diz que há polarização, isto não significa necessariamente que não houve em 2018 e em 2019 uma oferta eleitoral de centro. O que não houve foi demanda. Se hoje temos uma maioria de políticos extremistas é porque os eleitores demitiram os centristas e os moderados para colocar justamente os radicais em seu lugar nos governos e nas legislaturas. Foram os eleitores que desertaram do centro. Partidos políticos fazem o que sempre fizeram, a saber, acompanham a demanda e se movem para onde houver votos disponíveis.
Rodrigo Maia, portanto, não teria apenas que convencer o eleitor de que o centrão é centro, que o DEM (ex-PFL, ex-PDS, ex-Arena) é um partido moderado, como principalmente precisaria convencer os eleitores a voltarem a consumir ofertas eleitorais de centro, se é que é isso realmente o que ele pretende oferecer. Mas aí está o problema: multidões acostumadas, desde 2016, ao gosto de sangue, voltarão a ter paladar para o biscoito fino dos moderados e centristas? A ver.
Por enquanto, Maia vive da chamada “retórica da terceira posição”, que consiste em dizer que, se há dois lados errados, quem está certo é o terceiro. Está faturando em cima da falsa simetria que os comentaristas políticos têm adorado colocar na roda e que consiste em entender que a polarização política significaria que estamos entre dois lados radicalizados da política, como se a extrema-direita de Bolsonaro correspondesse uma extrema-esquerda do PT, o que é absolutamente falso. Na verdade, não, os eleitores não desertaram do centro para fugir para os dois extremos, mas simplesmente debandaram do centro para a direita em 2018. A extrema-esquerda (PSTU e PCO, por exemplo), continua onde sempre esteve, quer dizer, sem voto; a extrema-direita é que ultrapassou o seu patamar histórico em eleições presidenciais, de 7% em 1994, e ganhou a eleição.
O problema é que esta falsa simetria, embora insustentável com base em fatos, funciona muito bem em termos retóricos e Maia está tentando se vender como o centro entre dois errados, o razoável e o equilibrado entre dois radicalismos. Muitos já tentaram ocupar essa posição retórica delicada, como Marina Silva entre PT e PSDB, ou Fernando Henrique e sua terceira via, por exemplo, e não deu muito certo. Em vez da ideia de equilíbrio e temperança, a noção gerada foi de uma posição morna, sem fibra moral, sem nitidez ideológica. Vamos ver o que acontece com Maia e o seu novo centro.
WILSON GOMES é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)