Sobre Paulo Francis

Sobre Paulo Francis

Com o Francis sempre havia ansiedade. O jeitão dele era genuíno. Nós nunca sabíamos como iria se comportar no programa (o Manhattan Connection). Estaria de bom humor? Rabugento? Respeitaria a pauta? Falaria sobre o que bem entendesse? Com humildade, os demais participantes (eu, o Nelsinho Motta e mesmo o âncora Lucas Mendes) sabiam que precisavam dançar de acordo com os passos do Francis. Nada disso me surpreendia. Eu conhecia o Francis de longa data. Fui “chefe” dele na Folha de S. Paulo nos anos de 1980 quando era editor de Exterior e ele correspondente do jornal, em Nova York. Sempre foi uma aventura excitante conviver e trabalhar com o Francis. No geral, ele era muito amável, mas era barra pesada no seu azedume. O Francis foi profético no estilo, antecipou os blogs. Nunca foi repórter, mas um opinador, dado a grandes sacadas e grandes disparates. Como Francis há poucos. Parece fácil fazer o que ele fazia, mas a imitação pode ser patética. Minha convivência em geral foi boa com ele, em Nova York. Não éramos extremamente íntimos, mas sempre tive acesso. Costumávamos sair para almoçar e dar espiadas em livrarias, após a gravação do programa na sexta-feira. Sempre conheci meu devido lugar no programa. Eu era um pequeno anti-Francis. Em algumas coisas hoje dou mão a palmatória. Eu era muito deslumbrado com o casal Clinton. O Francis tinha razão. Cuidado com esta dupla escamosa, dizia.
CAIO BLINDER, jornalista, por e-mail

Francis, simplesmente, subia ao estúdio – faltou contar: ficava uns cinqüenta, sessenta centímetros mais alto do que o resto da sala, como um pequeno palco – olhava para a câmera e falava. O tempo que fosse necessário. Dois, três, cinco, dez minutos – dependendo do entusiasmo com que elogiasse – ou esculhambasse – a situação, o evento, o filme, a peça, o político, o ator, a modelo, a soprano, o maestro, a orquestra, a exposição ou que quer que lhe despertasse interesse. Francis tinha opinião sobre tudo. Sempre radical. E nunca tão cimentada que não merecesse ser revista. Improvisar? Para ele era tão natural quanto piscar.

(…) Cá entre nós, era um espetáculo à parte. Que terminava – quando finalmente o milagre da gravação sem interrupções se fazia – com um baita sorriso dele, como se nada demais tivesse acontecido. Francis, então, descia do estúdio (palco?), pegava suas coisas, punha seus livros embaixo do braço e saía para o mundo. Quase sempre assoviando ou cantarolando algum trecho de música erudita. E, sempre, pela porta proibida.
EDNEY SILVESTRE
Trechos de depoimento dado ao site www.paulofrancis.com

Conheci Paulo Francis há 35 anos, apresentado por José Lino Grünewald, mas só nos tornamos amigos na época de O Pasquim. Embora discordássemos em muitas coisas, nunca brigamos nem discutimos. Tinha uma enorme dívida de gratidão com ele – cultural, sobretudo. Foi graças ao Francis que descobri Edmund Wilson, Eric Bentley e várias outras figuras do mesmo naipe. Compartilhamos algumas paixões (gatos, Hitchcock, Itália, Truffaut), mas, até mesmo em cinema, nossos gostos volta e meia não se afinavam. Sua admiração por Lina Wertmüller, para citar só um exemplo, sempre me pareceu um despautério.Sem um empurrão dele eu não teria emplacado em O Pasquim nem ido parar na Folha de S.Paulo. O fero, insolente e implacável Francis sempre soube ser generoso com os amigos.

Decepcionado, entre outras coisas, com a sua chocante torcida pelo Collor, passei uns tempos sem ler sua coluna. Não queria me irritar nem alimentar pensamentos negativos a seu respeito. Aos poucos, porém, fui voltando, já que Francis também tinha o dom do magnetismo e sabia explorar como ninguém nossas fraquezas masoquistas. Francis era um espécime raro, se não extinto, em nossa imprensa: um curmudgeon, palavra inglesa de origem ignorada, em geral aplicada a intelectuais ranhetas, desabridos e sem papas na língua, como H.L.Mencken e Karl Kraus. A morte rápida, sem agonia, foi um presente dos céus. Ela veio cedo, mas, paradoxalmente, na hora certa. Fazia tempo que Francis não tinha mais nada a ver com este mundo culturalmente dominado pela barbárie.
SÉRGIO AUGUSTO
O último dos curmudgeons da imprensa brasileira OESP, em 5/2 1997


Bibliografia

FRANCIS, Paulo. Opinião Pessoal – Civilização Brasileira,1966. Esgotado

__________Certezas da dúvida – Ed. Paz e Terra, 1970. Esgotado

__________Nixon e McGovern: as duas Américas – Ed. Francisco Alves, 1972. Esgotado

__________Paulo Francis nu e cru – Ed. Codecri,1976. Esgotado

__________Cabeça de Papel – Ed. Francis. Original de 1977

__________Cabeça de Negro – Ed. Francis. Original de 1979

__________O afeto que se encerra – Ed. Civilização Brasileira, 1981. Esgotado

__________Filhas do segundo sexo – Ed. Francis. Original de 1982

__________O Brasil no mundo – Ed. Jorge Zahar, 1986. Esgotado

__________30 anos esta noite – Ed. Francis. Original de 1994

PIZA, Daniel e FRANCIS, Paulo. Waal: o dicionário da corte de Paulo Francis. São Paulo: Companhia das Letras, 1997

PIZA, Daniel. Paulo Francis – Brasil na Cabeça . Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 2004

MOURA, George. Paulo Francis, o soldado fanfarrão. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 1996. Esgotado

JORGE, Fernando. Vida e obra do plagiário Paulo Francis. São Paulo: Geração Editorial,1996. Esgotado

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