Só é possível filosofar em pretuguês

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Só é possível filosofar em pretuguês
Alegorias Dos Quatro Continentes (Século 17), De Abraham Bosse (The Metropolitan Museum Of Art)
  Certa feita, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) disse que só é possível filosofar em grego e alemão. Provavelmente a filósofa brasileira Lélia Gonzalez (1935-1994) deparou em algum momento com essa tese. Qual foi a resposta de Lélia a Heidegger? Eu não sei. Mas gosto de imaginar Lélia sorrindo e explicando a Heidegger que ele está errado, pois só é possível filosofar em pretuguês. O pretuguês para Lélia é a africanização do português. Essa africanização vai além da adoção de termos ou sons de línguas africanas, pois Lélia entende que línguas são muito mais que conjuntos de palavras e normas. São instrumentos pelos quais as culturas se constroem, se manifestam e se transformam. Assim, a mudança do português para o pretuguês envolve uma espécie de tradução da cultura dominante para uma versão africanizada, tradução essa que questiona os valores dominantes. O que se ganha com isso? Ora, esse questionamento abre a possibilidade de as pessoas poderem entender a si mesmas usando ferramentas adequadas a elas, e não apenas ferramentas impostas. Seria como substituir espelhos que deformam nossa imagem por espelhos que produzem uma imagem fiel, mostrando-nos o presente e nos permitindo pensar o futuro. É justamente nessa busca por espelhos melhores que encontramos outra parte fundamental da obra de Lélia: a defesa de um feminismo afro-latino-americano. Escrevendo no final dos anos 1980, Lélia critica a ausência da discussão sobre raça no feminismo hegemônico e a invisibilização da pauta de gênero no movim

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