Sete poemas de Gary Snyder

Sete poemas de Gary Snyder
Gary Snyder e Rodrigo Garcia Lopes, 2009 (Foto: Arquivo pessoal/Rodrigo Garcia Lopes)

 

O poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes apresenta a seguir sete poemas de Gary Snyder. A foto acima, de Jacob Wilkenfeld, foi feita em maio de 2009, depois de uma entrevista com Snyder, em Hickory, Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Essa longa e importante entrevista pode ser lida na íntegra aqui. 



Meados de agosto no mirante da montanha Sourdough

Vale abaixo névoa de fumaça
Três dias de calor, após cinco de chuva.
Resina reluz nos pinhões
Entre rochedos e campinas
Enxames de moscas novas.

Não consigo lembrar de coisas que já li
Alguns amigos, mas estão nas cidades
Bebendo água fria de neve numa caneca
Mirando milhas lá embaixo
Pelo ar alto parado.

***

O que você devia saber para ser poeta

tudo que puder sobre animais como pessoas.
nomes de árvores e flores e ervas daninhas.
nomes de estrelas, e o movimento dos planetas
e da lua.

seus próprios seis sentidos, com uma mente atenta e elegante.

pelo menos um tipo de mágica tradicional:
adivinhação, astrologia, o livro das mudanças, o tarô;

sonhos.
os demônios ilusórios e os deuses reluzentes e ilusórios;

beijar o cu do demo e comer merda;
foder seu pau farpado e tarado,
foder a bruxa,
e todos os anjos celestiais
e donzelas perfumadas e douradas —

& então amar o humano:       esposas                    maridos
e amigos.

brincadeiras infantis, quadrinhos, chiclete,
a maluquice da propaganda e da TV.

trabalho, longas horas de trabalho chato engolido e aceito
e vivido e enfim amado.                      cansaço,
fome, descanso.

a liberdade selvagem da dança, êxtase
silente e solitária iluminação, ênstase

perigo real.              apostas.                           e o gume da morte.

 

***

Gatos pensando no que os pássaros comem

o gatinho
fareja fundo
titicas antigas

 

***

Velha lagoa  

Montanha azul brilhante neve branca
Pelos pinheiros espalham-se agulhas esguias;
arbusto de cicuta na sombra,
horizonte rochoso irregular,

cristalino pio do pica-pau cinzento:
desce dos troncos das árvores

escalando o tempo.

No maior dos lagos pequenos
da Bacia dos Cinco Lagos
depois de um dia todo subindo nos picos,
um inseto nu,
corpo branco cabelos castanhos

mergulha n´água,

Tchibum!

***

Explorando o desfiladeiro de Totsugawa

mijando
mirando
a cachoeira

***

Sem sair de casa

Quando Kai nasce
deixo de sair.

Zanzo pela cozinha — faço pão de milho.
Não deixo ninguém entrar.
Nada de correio.
Masa deitada ao lado de Kai, que suspira,
Non lava e varre a casa
Sentamos e contemplamos
Masa amamentar, bebemos chá verde.

Contas de Navajo turquesa sobre a cama
Pena de pavão na cabeceira
Pele de texugo de Nagano
Serve de colchão; sob o lençol
Um pote de iogurte coalha
Sob a manta, aos seus pés.

Masa, Kai,
E Non, amiga nossa,
Refletidos na luz do jardim
Sem sair de casa;
De manhã até de madrugada
fazendo um novo mundo de nós mesmos
em volta desta vida.

***

de Civilização

Quando riachos se enchem
Fluem poemas
Quando riachos secam
Empilhamos pedras.

agradecimentos a Charles Perrone pelos toques na tradução

 

Sobre o tradutor
Rodrigo Garcia Lopes é poeta, compositor, romancista e tradutor. Publicou seis livros de poemas: Solarium (1994), visibilia (1996), Polivox (2001), Nômada (2004), Estúdio realidade (2013) e Experiências extraordinárias (2015). Gravou dois discos de composições autorais: Polivox (2001) e Canções do Estúdio realidade (2013). O romance policial-histórico O trovador (2013) e Experiências extraordinárias foram finalistas do prêmio Oceanos de Literatura. O trovador foi também finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2015.


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