Sem tempo para nada
A filósofa Marcia Tiburi (Foto Simone Marinho / Divulgação)
O diagnóstico de que não temos tempo para nada se tornou comum em nossa sociedade hiperprodutiva. Somos privados do tempo pelo sistema econômico que mede o trabalho em horas e dias, meses e anos. Sabemos que o tempo é usado no capitalismo para fins que o eliminam. A sensação de que o tempo precisa ser útil, de que não podemos perder tempo, é espargida pelo discurso teológico-capitalista como água benta sobre os que encarnam o ideal da produção como se ele fosse sua mais autêntica expressão. O fiel não fala em fazer, ele fala em produzir. Ninguém se diz trabalhador, diz-se “produtivo”. Enfeitiçados pela lógica da produção em que estar em ação é a regra, cria-se nas empresas e universidades a meta numérica como uma espécie de indulgência religiosa que é, ao mesmo tempo, instrumento de tortura.
Os trabalhadores das periferias, que vão ao centro das grandes cidades para trabalhar, gastam a maior parte do seu dia devotados a qualquer coisa que não se refere a eles mesmos. A jornada de trabalho não leva em conta o tempo do transporte. O tempo que seria um direito de qualquer pessoa é tratado como se não existisse. Cada um deve se responsabilizar pelo tempo que perde.
Do outro lado da cena, há o discurso da falta de tempo. Enquanto queixa, ele não age contra a falta que lhe dá origem. Ele exprime a paradoxal dessubjetivação do indivíduo em escala social. Cada um que se queixa da falta de tempo, cada um que se refere a si mesmo como estando na “correria”, apenas se expressa por meio da inexpressão típica da época. Cada
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