Sartre e o Natal da esperança

Sartre e o Natal da esperança
(Foto: Cecil Beaton)
  “Vivemos hoje num mundo desencantado, porém ansioso por reencantamento. Carecemos de alegorias, mitos, lendas, paradigmas e crenças. O Natal é das raras ocasiões do ano em que nos damos o direito de trocar a razão pela fantasia, o trabalho pela festa, a avareza pela generosidade, centrados na comensalidade e no fervor religioso.” Essa reflexão é de Frei Betto, no livro Fome de Deus (Companhia das Letras, 2013), mas bem poderia ter ocorrido a Jean-Paul Sartre no Natal de 1940, quando, prisioneiro dos nazistas no Stalag XII, na cidade alemã de Trier, apresentou com seus companheiros de cárcere uma encenação existencialista do episódio bíblico do nascimento de Jesus Cristo. A França, àquela altura, já estava ocupada pelas tropas de Hitler e virara, com o governo instalado em Vichy, um satélite do império nazista. Bariona, ou o auto da dor e da esperança é a primeira peça de Sartre. É ainda inédita no Brasil, mas tive o privilégio de traduzi-la durante o pós-doutorado em filosofia na Universidade de São Paulo, sob a tutoria do professor Franklin Leopoldo e Silva. Nela, o filósofo francês, apesar de ateu, e mais tarde enquadrado na lista de autores proibidos pelo Índex do Vaticano, mostra que sua hostilidade é menos contra a fé cristã em si do que contra a “má-fé” dos que manipulam o impulso religioso humano em favor do medo da vida e da opressão política. Má-fé é um dos conceitos-chave que Sartre desenvolveria no seu clássico O ser e o nada (1943). Refere-se às várias estratégias pelas quais o homem tenta abafar a co

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