#revoluçãodashashtags
O uso da internet nas mobilizações e ações políticas, de forma mais horizontalizada e reticular, não é exatamente uma novidade. À esquerda e à direita do espectro político, a tecnologia já se consagrou como uma ferramenta imprescindível.
No Brasil, mais recentemente, tem-se intensificado o manejo das redes sociais para convocar manifestações de rua, para encurtar o tempo e o espaço da comunicação, para agregar pessoas desconhecidas a causas virtualmente compartilhadas, para repercutir ações e dar visibilidade a demandas, para disputar a opinião pública e rivalizar com meios tradicionais de filtro das informações, além de campanhas específicas que se desenrolam nesse ambiente virtual.
Em especial, nos últimos dias, tem-se notado um cruzamento mais marcante entre, de um lado, essa profusão de novas formas de ativismo referenciadas no universo da internet e, de outro, a apropriação desses recursos nas lutas das mulheres, em franca ascensão nas ruas e nas redes.
Materialização desse cruzamento foram campanhas que organizaram denúncias de machismo, romperam com o silêncio imposto e forjaram laços de cumplicidade entre mulheres por meio de relatos públicos de experiências tão subjetivas e, paradoxalmente, que se mostraram em verdade tão universais no gênero feminino.
#primeiroassedio, #agoraéquesãoelas, #meuamigosecreto
Refiro-me aqui, particularmente, às campanhas #primeiroassédio (que consistiu na articulação da memória dos primeiros assédios sofridos pelas mulheres), #agoraéquesãoelas (que demonstrou, pela ocupação de colunas de homens nas mídias diversas, a reduzida inserção das mulheres nesses espaços) e a mais recente #meuamigosecreto (que mobilizou relatos de violências com denúncias mais ou menos diretas que não revelavam a identidade dos agressores).
Cada uma dessas campanhas apresentou determinadas potencialidades e outros tantos limites. Cada qual contempla determinada concepção de movimento feminista, de uso de recursos tecnológicos, de ação política, de prática de denúncia, de relação com a cooperação de homens etc. Mas, a despeito das singularidades, não se pode ignorar o círculo virtuoso que o encadeamento dessas campanhas tem provocado nas lutas pela igualdade de gênero.
Olhando retrospectivamente, as campanhas do #primeiroassédio, da #agoraéquesãoelas, da #meuamigosecreto se complementam e enfrentam, cada uma a seu modo, determinados aspectos e manifestações concretas do preconceito e da discriminação contra as mulheres. São um capítulo mais recente, sob novos formatos, das antigas formas de combate dos feminismos que as precederam.
Talvez um equívoco bastante comum nas críticas feitas a cada uma dessas campanhas seja ignorar a interligação interna entre elas e delas com as lutas que se desenrolam fora da internet, considerando-as isoladamente e cobrando, de cada uma delas, tarefas enormes que demandam mais do que uma campanha virtual, mas um longo processo de mobilização política e jurídica que tem encontrado, na internet, um momento importante de catalisação.
Assim, pode-se ganhar muito mais ao aproveitar o que cada campanha pode oferecer de melhor do que exigir dela a integral realização de promessas que ela não se propõe e nem poderia dar conta por si só.
Por trás de hashtags, usadas para organizar as informações caóticas da internet, não está somente um ativismo de insinuações e indiretas como algumas críticas sinalizaram. Há, sobretudo, a ruptura de um silêncio, a quebra de invisibilidade, a simbolização com a colocação em palavra de uma experiência de trauma.
E mais: emerge com força o compartilhamento, em escala e proporção impensáveis em tempos anteriores à sociabilidade virtual, de uma sensação de igualdade e de solidariedade entre mulheres que passaram por situações semelhantes de abusos, de assédios, de violências, de agressões e de tantas outras formas de concretização do machismo que opera cotidianamente nos diversos espaços da família, da escola, do trabalho, dos afetos, da sexualidade etc.
Uma das maiores virtudes dessas campanhas tem sido convidar ao protagonismo inúmeras mulheres que não entrariam nas fileiras de movimentos sociais mais tradicionais, mas que se sentiram à vontade para falar em primeira pessoa convertendo o que antes via como desabafo em verdadeiro ativismo.
Multiplicam-se as formas de expressão de uma subjetividade política diferenciada para além dos padrões de reconhecimento mais tradicionais das militâncias. É evidente que tal compreensão, muitas vezes individualista e pontual da ação política, tem seus limites.
Mas, ao mesmo tempo, essa ampliação precisa ser vivida e experimentada, inclusive, para que se possa verificar como articular essas ações a uma estratégia mais ampla com outros formatos de ativismos. Eventuais desvirtuamentos do sentido original das propostas das campanhas não têm o condão de deslegitimar as ações tão interessantes que foram geradas.
#homens: que fazer?
Outro aspecto fundamental dessas campanhas foi a maneira como tocaram, como mexeram, como incomodaram, como revoltaram, como despertaram apoios entre os homens.
Alguns preferiram silenciar para ouvir melhor. Outros saíram em apoio. Alguns tentaram problematizar alguns aspectos de modo honesto e franco. Outros criticaram simplesmente porque não aceitaram a ameaça de perder seus privilégios.
Não há dúvida de que o papel do homem, nessas discussões, é secundário como muitas mulheres destacaram. Contudo, também não é irrelevante e desimportante, afinal, os homens devem estar implicados a seu modo apoiando essa luta e, se, de fato, não são protagonistas, são coadjuvantes que não apenas podem, mas devem ouvir, aprender, pensar, falar e discutir sobre esses temas.
Aliás, ainda que nossa sociedade normatize papeis fixos de gênero, do ponto de vista da expressão política e da postura concreta, não há a essência de “um homem” abstrato. Há “homens”, no plural. E ainda que todos esses homens sejam favorecidos e beneficiados pelas estruturas do patriarcado, as maneiras como cada um se coloca, concretamente, diante dessas ações é um dado importante para pensar quando e como podem os homens somar às lutas das mulheres.