Respostas ao imponderável

Respostas ao imponderável

Leia a seguir trechos da entrevista concedida à CULT pelo teólogo Paulo Roberto Garcia – coordenador do curso de teologia da Universidade Metodista de São Paulo – sobre a revalorização dos estudos religiosos em meio à crise dos paradigmas científicos e sobre a vertente do protestantismo fundada por John Wesley na Inglaterra no século XVIII.

CULT – Qual a validade do pensamento teológico nos dias de hoje, em que predominam o racionalismo e o discurso científico?
Paulo Roberto Garcia – A teologia tem como característica ser geradora do pensamento universitário, pois a universidade nasce na Idade Média. O diálogo entre ciência e teologia é algo que foi cortado de maneira abrupta. Os saberes têm de interagir para a construção de um ser humano que possa dialogar com a vida, que é multifacetada. O afastamento da teologia gerou uma desconfiança das ciências empíricas em relação às ciências chamadas humanas. A própria designação ciências humanas e ciências exatas acaba dando caráter diferenciado às ciências. Ciência é ciência. As metodologias são diferentes, porém cada uma delas representa um enfoque diferente sobre o mesmo objeto: a vida. Nesse momento atual, há uma crise grande e produtiva nos paradigmas gerais da ciência. A física quântica coloca novos elementos paradigmáticos: a incerteza, a instabilidade. Nesse momento, a idéia de ciência exata passa a não fazer mais sentido. Volta à tona a discussão da filosofia, das outras ciências e da teologia como elementos que contribuem para a discussão do todo. Hoje, a teologia, a filosofia e todas as ciências devem ser entendidas como elementos que contribuem para a construção de um novo saber, um saber que não coloque o ser humano em caixinhas em que num momento ele é racional, noutro ele é místico. O ser humano é o ser humano e a vida é multifacetada. Enfim, a importância do discurso religioso hoje é simplesmente reconhecer que fazem parte da vida humana o místico, o religioso, o transcendente e até o imponderável. O discurso religioso não pode ser ignorado, ou seja, temos de rever os conceitos de religião. Há as explicações de cunho materialista: a religião é a explicação do inexplicável, aí se pensa em Nietzsche, Freud, na questão de a religião explicar o que o ser humano não conhece, e que o ser humano mata Deus – a razão é inimiga de Deus. Não dá mais para ligar a religião à ignorância, que é o discurso clássico. Nesse vazio de explicações, o discurso religioso ganha importância, quer como elemento de estudo de alguém que vive no meio de um ambiente religioso, quer como objeto do estudo de alguém que não é religioso. Há um professor coreano chamado Jung Mo Sung, especializado em teologia e economia, que lê o discurso religioso presente no discurso econômico. Ele pega os clássicos e faz a leitura dos seus discursos mostrando como o elemento religioso está presente na forma de promessas do paraíso terrestre – só que quem dá esse paraíso é o mercado, e não Deus. O discurso religioso permeia até áreas das chamadas ciências exatas. A pergunta fundamental é como lidar com o imponderável. O imponderável dos imponderáveis é a morte. Ao lidar com esses elementos, você lida com o religioso. Cada religião dá sua resposta e, ao dar essa resposta, dá um significado para a vida humana. E aí essa resposta passa a ser entendida como fenômeno.

CULT – Em que consiste a Igreja Metodista e qual sua diferença em relação às outras igrejas protestantes?
P.R.G. – O que diferencia um metodista de outros religiosos é uma conjuntura que gesta um novo movimento religioso. O metodismo nasce na Inglaterra num dos momentos mais críticos do início da era industrial – um período de degradação da estrutura familiar, porque antes as famílias se reuniam em torno de profissões artesanais que identificavam a família. O núcleo familiar se organizava na educação, na produção do seu trabalho, na conquista do alimento. Quando entra a máquina, aqueles que viviam da produção de alguns artigos criam uma crise social e essa crise fez com que parte das pessoas passasse a sair de casa para trabalhar e outra parcela ficasse abandonada nas cidades. Cria-se a degradação da estrutura familiar antiga. Nesse período temos o alcoolismo, o alimento era escasso, levando a Inglaterra a uma convulsão social. A religião oficial era o anglicanismo e o metodismo surge com um forte cunho social. John Wesley, o fundador do metodismo, morreu anglicano, mas ele inicia um movimento de piedade social através de práticas. O que difere o metodismo é essa busca de uma fé que seja social, uma fé que se insira na realidade social. O termo metodista é uma piada, pois Wesley fundou um grupo para estudar e meditar de forma rigorosa e as pessoas começaram a satirizá-los, dizendo: “Lá vão os metodistas”. O apelido virou o nome. Esse caráter metódico, rigoroso, virou marca da religião.

CULT – Quais são os grandes nomes da moderna teologia de origem protestante?
P.R.G. – Nomes como Karl Barth (1886-1968), Rudolf Bultmann (1884-1976), Albert Schweitzer (1875-1965), Paul Tillich (1886-1965) e o metodista Ernst Käsemann (1906-1998) são referenciais. Eles trabalharam muito a discussão da religiosidade no mundo moderno. Albert Schweitzer representa uma crise produtiva na teologia. Ele se empenhou na busca do Jesus histórico e acabou descobrindo que é um grande fracasso tentar descobri-lo. Depois dele, Karl Barth e Rudolf Bultmann, vão tentar dar uma resposta ao Jesus histórico. A pergunta de Rudolf Bultmann é muito direta: Como posso fazer Jesus ser um objeto de fé para o ser humano do século XX? Como se pode falar de algo expresso em uma linguagem mítica, ou melhor, como eu tiro o mito para tornar Jesus crível? Bultmann fez a seguinte discussão: é impossível o ser humano que vive no meio de avanços da medicina acreditar em milagres de cura. Para Bultmann, o ser humano do século XX precisa que se vá ao cerne da mensagem. Essa separação entre mito e razão é equivocada. Só isso não dá conta do ser humano, ele não é só razão. Esses teólogos tentam pensar a fé dentro da realidade. Karl Barth participou da primeira e da segunda Internacional Comunista, era um pastor de uma comunidade suíça que ia acalorar os debates de um sindicato de mulheres, que discutiu com gente como Rosa Luxemburgo. Encontramos nele uma discussão teológica ligada aos grandes movimentos sociais de sua época. Outro teólogo importante foi Dietrich Bonoeffer (1906-1945). Ele participou de um atentado contra Hitler, fundou a Igreja Confessante, foi preso, ficou preso até o fim da Segunda Guerra e, quando a Alemanha já estava derrubada, a última ordem do Himmler foi para matá-lo. Ele foi morto para que não sobrasse nada de seu testemunho.

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