LGBTs e com muito orgulho
Bandeira símbolo do movimento LGBT (Divulgação)
Junho é um mês repleto de simbolismo para o movimento de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis (LGBT). Prova mais recente disso é que, neste ano, a maior das redes sociais criou um botão temporário e temático de reação chamado “Orgulho”, que consiste em uma bandeira com as cores do arco-íris.
Mas essa luta por visibilidade e respeito vem de mais longe e também vai muito além da moda das curtidas coloridas distribuídas pelo Facebook. Todo junho, pelo mundo afora, pessoas se reúnem para celebrar, de diferentes maneiras, o orgulho das múltiplas orientações sexuais e identidades de gênero.
Foi há quase cinquenta anos, mais precisamente no dia 28 de junho de 1969, que ocorreu, na cidade de Nova Iorque (EUA), a famosa revolta no bar Stonewall Inn, um verdadeiro marco para as lutas pela diversidade sexual e de gênero. Contra a repressão policial, vigilante de um código moral conservador, o único caminho possível era existir, insistir e resistir. Esse foi o ousado programa político das centenas de pessoas que se levantaram contra a habitual violência do Estado e que foram, por isso, considerados pioneiros do movimento tal como hoje o conhecemos.
Não à toa, em diversos países, a tônica das reivindicações do movimento pela diversidade sexual e de gênero tem sido sair dos guetos, ocupar as ruas, pedir visibilidade e proteção legal. Não haveria, assim, razão alguma para esconder ou viver clandestinamente os desejos e corpos.
Mas como é que a vergonha e o estigma, alimentados persistentemente pelo preconceito de uma sociedade hétero e cisnormativa, foram substituídos pelo orgulho e pela identidade política?
Essa não é uma pergunta simples e não há um único turning point capaz de explicar, isoladamente, tamanho deslocamento.
Por séculos, acusados de pecadores nas Igrejas, de doentes nos hospitais e manicômios, de criminosos no sistema penal e prisional, de ameaçadores à ordem pública e aos bons costumes pelos poderes estatais, LGBTs foram permanentemente atravessados pelos discursos e práticas de controle político e sexual de suas subjetividades.
Chamados de anormais, pervertidos, doentes, criminosos, desviantes, bichas, “homens femininos demais” e “mulheres masculinas demais” foram identificados, classificados e catalogados pelos dispositivos de poder, desde formas mais sutis e “científicas” até os modos mais violentos e brutais.
O “choque da injúria”, para usar uma expressão do filósofo Didier Eribon, é uma experiência constitutiva central em qualquer pessoa LGBT. Ela pode se consumar em um ato concreto de violência ou permanecer, virtualmente, no horizonte como uma ameaça. Nem sempre a injúria precisa ser proferida e realizada, mas ela sempre estará ali presente.
A injúria, assim, não é apenas uma fala que descreve, mas expressa um domínio, um poder de ferir daquele que pode nomear sobre o outro, que é então objetificado. Como sabemos, a nomeação do desvio é uma operação de afirmação da norma, traçando uma linha divisória entre os que estão incluídos e aqueles que são excluídos do reconhecimento da dignidade e da proteção dos direitos.
Operando como um enunciado performativo, ainda nas palavras de Eribon, “a injúria me diz o que sou na medida em que me faz ser o que sou”. Essa onipresença do insulto, que está sempre às voltas dos corpos LGBT como ameaça potencial ou concreta, é um dos traços mais comuns dessa “comunidade imaginada”, para tomar emprestado o conhecido conceito de Benedict Anderson.
Assim, a identidade LGBT é, em um primeiro momento, uma imposição dos poderes e discursos que constituem as subjetividades, atravessam os corpos e normalizam os desejos. Mas essa mesma identidade, outrora estigmatizada, vem sendo cada vez mais ressignificada como um suporte para a ação política e a conquista dos direitos de igualdade. Da vergonha, emergiu o orgulho.
Levou muito tempo para que as pessoas pudessem assumir sua orientação sexual ou identidade de gênero abertamente. Ainda mais tempo para que lograssem políticas públicas e reconhecimento estatal. E, apesar das enormes violências e restrições ainda presentes contra os segmentos LGBT, os avanços só foram possíveis graças às lutas e à organização desse movimento que levanta a bandeira do orgulho.
Aqui em São Paulo, no próximo domingo (18), ocorrerá a 21º Parada do Orgulho LGBT, na Avenida Paulista. Em um momento de diversos retrocessos conservadores na política nacional, é hora de irmos para as ruas afirmar a importância de um Estado laico e sem nenhum direito a menos. Gritando em alto e bom som: LGBTs e com muito orgulho!