Religião, finitude e corpo
O Sacrifício de Isaac, de Caravaggio, 1603 (Arte Revista Cult)
A religião é muitas vezes criticada por alguns filósofos porque negaria elementos como a temporalidade, a finitude e o corpo. Nesse sentido, são claras as consequências negativas que a religião traz para a vida como um todo. Autores como Nietzsche, Feuerbach, Marx e outros nos fornecem ricas ferramentas conceituais para tais análises. Há que se perguntar, contudo, se e em que medida a religião ou – no caso mais específico com o qual se ocupou Kierkegaard – o cristianismo concebe a realidade necessariamente desse modo. Kierkegaard tem uma leitura bastante peculiar dessas questões. Ele percebe que a existência humana está ligada a toda finitude, ao histórico, ao corpo, e que tornar-se um indivíduo é um processo que abarca afirmativamente todos esses âmbitos. E ele não chega a essa conclusão apesar de sua tradição cristã, mas, justamente, a partir dela.
Por meio de seu pseudônimo Johannes de Silentio, em Temor e tremor, Kierkegaard cunha uma concepção bem própria da fé, não a entendendo como negação da realidade temporal ou da finitude, mas como uma articulação de sentido para essa realidade. O pano de fundo para o desenvolvimento dessa concepção é o difícil texto bíblico do capítulo do livro do Gênesis, onde Abraão recebe de Deus a ordem de sacrificar o próprio filho. A interpretação de Kierkegaard para esse texto é bastante original, assim como a noção de fé que extrai de sua análise. Ponto-chave para a interpretação é que Abraão, quando avista o monte do sacrifício depois de três dias de viagem pede a seus
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