Rap das Arábias

Rap das Arábias
Narcicyst (Foto: Josselin Lioust)

Fernanda Paola

Uns jogam pedras, outros ateiam fogo no próprio corpo. Choram, gritam, pedem, exigem. Muitos cantam. Outros tantos morrem. Liberdade é a palavra que ecoa nas ruas das principais cidades da Tunísia e do Egito.

Com letras como “o hip hop não está morto, nunca morreu / só se moveu para o Oriente Médio, onde a luta continua viva!”, composição inédita do MC egípcio A-Rush, o rap transformou-se numa das mais poderosas armas de protesto contra os regimes autoritários da região. E foi isso que aconteceu no dia 7 de novembro de 2010, quando o rapper tunisiano Hamada Ben Amor, aka El General, postou no Facebook um trecho de uma de suas canções: “Senhor presidente, seu país está morto / Pessoas comem lixo/ Olhe o que está acontecendo / Miséria em todo lugar”.

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Em poucas horas, a música “President, Your Country” [Presidente, Seu País] ganhou repercussão nas TVs Tunivision e Al- Jazeera e tom de protesto pelas ruas da Tunísia. Por causa disso, o rapper foi preso e interrogado durante três dias, além de ter sua página no MySpace e seu número de telefone bloqueados. El General é o primeiro de muitos rappers árabes a fazer barulho contra as tiranias em escala internacional. Muito barulho.

Outro representante do rap das Arábias é Yassin Alsalman, aka Narcicyst, músico e um dos vocalistas na contundente “#Jan25 Egypt” [leia trecho traduzido na página ao lado]. Em entrevista à CULT, Narcicyst, filho de iraquianos nascido nos Emirados Árabes e hoje radicado no Canadá, disse achar “louco como o mundo é cego para as injustiças que acontecem em certos países até que estejam na televisão”.

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Com mestrado em hip hop pela Universidade da Concórdia, o professor Alsalman, na condição de porta-voz para o lado ocidental por cantar em inglês, acrescenta: “Torço para que as mudanças sejam para melhor e rezo para que eles vejam a luz da positividade que virá pela não violência”.

Segundo o egípcio Karim Adel Eissa, aka A-Rush, do grupo Arabian Knightz, o rap vem se espalhando pelo Oriente Médio há pelo menos três, quatro anos, mas só agora ganhou projeção mundial.

“Nada fala mais sobre os problemas cotidianos do que o rap, especialmente quando a música pop daqui fala mais e mais sobre o amor e coisas assim, e não sobre o que realmente as pessoas pensam quando não podem pagar o aluguel, conseguir emprego e são presas pela polícia. O rap diz que eles podem ser livres, o rap diz a eles que se rebelem!”, acrescenta um dos autores da música “Rebel”. A seguir, Narcicyst e A-Rush falam sobre o papel do hip hop na luta pela liberdade no mundo árabe.

A-Rush fala

Como é sua vida no Cairo, especialmente depois da queda de Mubarak?
A vida está melhor, nós finalmente estamos fazendo coisas para expor e punir a corrupção. Aos 30 anos de idade, sinto que sou uma força política com voz ativa. Em contrapartida, tem muita violência acontecendo, muitas gangues se formaram e muita gente foi solta da prisão pelo governo anterior no último dia de comando.

Muita gente continua a ser punida por causa do sistema antigo de governo de forçar a violência entre muçulmanos e cristãos com o objetivo de dividir o Egito e acabar com a segurança.

Você acredita que essas mudanças são para melhor?

Sim. Os regimes e sistemas políticos na Arábia não são da nossa era ou em favor da nossa era. O Oriente Médio pode ser o último bastião de ditadores no mundo, e temos de nos libertar. Nós fomos calados pela força desses regimes, não podemos falar, não temos direitos como cidadãos, trabalhamos em condições escravas. Então, a revolta que começou na Tunísia chegou rapidamente ao Egito. Durante a revolta, provamos ao mundo que nós, árabes, não somos animais nem terroristas. Mostramos a verdadeira
natureza do islamismo e conseguimos limpar a imagem negativa que tínhamos por causa dos regimes autoritários que duraram décadas.

Você acredita que a música pode mudar o mundo?
Espero que minha música possa mudar a mente das pessoas que um dia vão mudar o mundo. Nós temos a missão de instaurar valores positivos e nobres para as próximas gerações que virão. Podemos mudar o mundo todo por meio da música e precisamos libertar a mente das pessoas e unir todos em uma mensagem positiva de liberdade entre os humanos.

Nós devemos coexistir sendo pretos, brancos, muçulmanos, cristão, judeus, budistas, o que for! Liberte sua mente! Leia! O mundo está inteiro conectado e informação é fácil de encontrar.

Como acha que o rap árabe está sendo afetado pelos recentes fatos?
Nós podemos finalmente ter música livre!

 

Trecho traduzido da música “#Jan25 Egypt”, do rapper Narcicyst

A liberdade não é dada pelos opressores
É exigida pelos oprimidos
Amantes da liberdade
Livres para se reunir e protestar
Pelos seus direitos humanos
Pela liberdade de expressão
Nós sabemos que a liberdade é a resposta
A única pergunta é…
Quem é o próximo?

KL Jay, DJ dos Racionais MCs, ouviu as músicas “#Jan25 Egypt” e “President, Your Country” a convite da CULT:
“As músicas têm letras políticas e contestadoras. A “#Jan25 Egypt” é mais musical, completa. E tem o depoimento do Karim Adel Eissa, que dá uma visão muito realista do que é o hip hop no mundo. Meu inglês não é tão bom, mas me identifico com muitas coisas que ele fala.”

 

Narcicyst fala

O que significa o hip hop para você?
O hip hop é uma reflexão sobre a sociedade atual, é uma forma de arte e cultura que muda com o tempo, e é uma reflexão direta sobre a vida neste mundo louco. E é por isso que é uma coisa linda.

Nos últimos meses, vem ocorrendo uma série de conflitos no Oriente Médio. Acredita que as mudanças serão para melhor?

Penso que essas mudanças que vêm acontecendo no Oriente Médio são necessárias para o crescimento da população e de sua representação. Disse isso em uma música: “Nós estamos gritando por anos, mesmo assim ninguém nos ouve”. É louco como o mundo é cego para as injustiças que acontecem em certos países até que estejam na televisão. Torço para que as mudanças sejam para melhor e rezo para que eles vejam a luz da positividade que virá pela não violência.
Inshallah Khair!

O movimento hip hop no Oriente Médio está maior do que nunca. Muitos rappers estão cantando pela liberdade. Você acredita que a música pode mudar o mundo?
Não diria que a música pode mudar o mundo, mas pode fazer o povo se sentir unido, o que a política faz menos e menos hoje em dia. Tupac Shakur, John Lennon, Bob Marley, todos esses artistas fizeram as pessoas se unir em uma consciência comum. Penso que a música e o hip hop podem fazer isso para a juventude e nossa geração. Posso criar um movimento de positividade e vejo isso acontecendo no Oriente Médio, como aconteceu antigamente com o hip hop na América do Norte.

Onde é sua casa?
Minha casa é a Terra.

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