Quem não pode com o pote não pega na rudia
(Foto: CHARLES LANDSEER)
Eu tinha cerca de 10 anos quando Dorinha chegou para trabalhar em nossa casa. Seu rosto me mostrou o chão de uma história que os livros de escola e professores não me contaram, dando-me a primeira e mais radical lição da alteridade, que só muito tempo depois eu conheceria na Violência do rosto, de Emmanuel Levinas: “o rosto do próximo como portador de uma ordem que impõe ao eu, diante do outro, uma responsabilidade gratuita”. Ela tinha o rosto queimado do querosene que acendia lamparinas sobre os escuros do lugar: Pedras de Maria da Cruz. Isso de pessoas saírem de seus cantos e vidas para trabalhar nas “casas de família” – diáspora dentro de diáspora – é um queloide de uma ferida ainda aberta: a escravização e nossa-vossa herança.
O rosto e o lugar de Dorinha me condenavam a conhecer a geografia de um mundo que é, e também a desejar filosofias outras. Já houve quem afirmasse que o geógrafo se esforça para realizar o velho sonho do filósofo: aprender o real em sua totalidade. Mas, aqui, esse sonho aparece invertido em matéria e extensão. O que se quer é uma filosofia infiltrada numa geografia que apresente o mundo em seus lugares de nascença e brotação. Tarefa que semelha àquela que dá as coordenadas da geografia de Milton Santos em A natureza do espaço: “a construção de uma filosofia menor, isto é, uma metageografia capaz de reproduzir, na inteligência, as situações reais enxergadas do ponto de vista dessa província do saber”.
Para viver em Maria da Cruz, como chamam o lugar, de modo a colocá-lo na enc
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