Quanto vale?

Quanto vale?

Jaqueline Gutierres

“A arte se baseia no valor comercial que tem. Quanto mais caro o produto, mais considerado você é, mais convites recebe, mais arte produz, mais entrevistas você dá e não há outra saída”, atesta Nelson Leirner. O artista plástico de 79 anos, que vivenciou momentos cruciais da história e se tornou um dos grandes ícones das artes plásticas nacionais, afirma que hoje o consumismo se apropriou até mesmo do idealismo político e que o único modo de fugir disso é “com o hobby”, se referindo à produção que não é feita com intenção de ser arte, mas que é fruto do prazer despretensioso.

O resultado de seu hobby ocupa um terço da exposição Nelson Leirner 2011-1961=50 anos, que acontece a partir de setembro na galeria de arte do SESI-SP. A mostra, que tem curadoria de Agnaldo Farias, conta também com obras feitas durante 50 anos da carreira do artista, que recebeu a CULT durante a montagem da exposição. Leia a conversa abaixo.

CULT – No que consiste a instalação “Um, nenhum e cem mil”?

Nelson Leirner – É um trabalho que venho fazendo há 10 anos e que chamo de hobby. Era o que eu fazia simultaneamente ao meu trabalho de arte, sem nenhuma pretensão de ser artístico. São cerca de dois mil trabalhos, que variam de pequenas interferências em cartões-postais, convites para exposições, santinhos de porta de igreja, até desenhos feitos em aviões e hotéis, que minha esposa foi colecionando ao longo desse tempo.

Hoje, esse hobby ficou cada vez mais difícil porque os meios tecnológicos estão limitando que eu recolha o material. Por exemplo, eu recebia em média cinco convites de exposições de arte por dia, atualmente, são três por semana, e todo o resto é enviado por e-mail. Por isso decidi que esse hobby é uma etapa terminada que deve ser exposto.

No momento, estou à procura de um novo hobby, mas ninguém teve uma boa ideia para me inspirar ainda. Só sei que não posso mais recolher esse tipo de objeto porque com quase 80 anos não tenho mais o tempo físico para coletar sabonete de hotel, caixinhas de fósforo, etc.

Além dessa instalação, como foi feita a escolha de seus outros trabalhos?

A seleção está ligada ao conceito de não ser uma exposição cronológica, ao espaço que temos e à disponibilidade das peças. Por exemplo, eu pedi à Pinacoteca que mandasse o porco, que é sempre um trabalho emblemático, é um ícone – tanto que algumas matérias falam mais do porco do que de qualquer outra coisa –, mas a Pinacoteca disse que estavam enviando o porco a uma exposição muito importante na Bélgica. Então, ele não vem.

Com relação ao espaço, eu precisei editar o que seria exposto, porque não cabe tudo. A série de 48 desenhos que fiz em 1972, chamada “A Rebelião dos Animais”, que se referia diretamente à ditadura, estará pela metade, por exemplo.

Esse problema de espaço acontece também porque um terço da exposição está reservado ao hobby.  Isso porque ele é muito importante, é realmente a divisão do que seria o fim da arte. Você imagina todos os artistas parando de fazer arte, que hoje é somente comercial, e fazendo por hobby? Você acaba com a arte.

Sob curadoria de Agnaldo Farias, a exposição é dividida em três partes. São mesmo três mudanças bruscas em sua vida profissional? Você dividiria de outro modo?

Não, porque em uma mesma sala você pode ver trabalhos dos anos 1960 e atuais que conversam entre si. É como se eu mesmo estivesse me relendo. Por isso, não é uma leitura que possa ser feita cronologicamente. Não é uma retrospectiva, porque nesse tipo de mostra tenta-se colocar o maior número de trabalhos possíveis e ordená-los por data, e essa não é a nossa intenção.

Pode destacar bons artistas brasileiros? E estrangeiros?

Eu acho que todos são bons, mas existe um que eu sou fã mesmo, que é o Cildo Meireles.
Internacionalmente, Marcel Duchamp é minha principal influência. Eu me aproprio de muita coisa dele na minha obra, são assimilações diretas, eu não disfarço.

Como vê o circuito das artes hoje no Brasil? E no mundo?

É comercial, já institucionalizado e os artistas simplesmente lançam seus produtos. A arte virou um produto e, como artista, não se pode guardar o trabalho na gaveta porque senão ele não existe.

A arte se baseia no valor comercial que tem. Quanto mais caro o produto, mais considerado você é, mais convites recebe, mais arte produz, mais entrevistas você dá e não há outra saída.
Não existe mais idealismo, não há quem seja de direita ou de esquerda, pró ou contra a ditadura.

Onde: Galeria de Arte do SESI-SP – Av. Paulista, 1313, São Paulo (SP)
Quando: 6/9 a 6/11
Quanto: gratuito
Info.: (11) 3146-7405, www.sesisp.org.br/centrocultural

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