Perto de Clarice
Edição do mêsMaria Bonomi e Clarice Lispector na exposição 'Xilografias: Tranzamazônica-China, de Maria Bonomi, na Galeria Bonino, 1975 (Acervo Maria Bonomi)
JOSÉ CASTELLO
66, jornalista, escritor e crítico literário
Eu era repórter colaborador do Segundo Caderno do Globo. Um dia, li uma nota em uma coluna social dizendo que Clarice desistira da literatura. Achei que essa desistência – mesmo eu não acreditando muito nela – era o tema para uma boa entrevista. Foi uma negociação difícil. Depois de muita insistência, ela enfim marcou dia e hora, mas quando cheguei a seu prédio, o porteiro me informou que ela não estava em casa. Argumentei que devia haver algum engano. Depois de nova negociação lenta e complicada, ela enfim aceitou me receber.
Levei comigo um daqueles gravadores de fita K7. Logo que me acomodei no sofá da sala, tirei o gravador da bolsa e o coloquei sobre a mesa de centro. Clarice, que até ali fora muito gentil, se ergueu e começou a gritar. Ficou muito descontrolada. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Do corredor, surgiu Olga Borelli, que a segurou pelas costas, os braços firmes em torno da cintura. Ainda aos gritos, Clarice começou a apontar para o gravador. Um pouco mais calma, aproximou-se da mesa de centro e pegou o gravador com a ponta dos dedos, como se erguesse um rato morto pelo rabo. “Isso fica comigo”. As duas desapareceram pelo corredor que levava aos quartos. Fiquei sozinho na sala, sem saber o que fazer, eu também um tanto transtornado. Até que ela voltou, agora muito calma. Trazia na mão uma chave. Balançou-a no meu nariz e disse: “Aquilo fica comigo. Está trancado em meu armário. No fim da entrevista eu lhe devolvo”. Muito calma,
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