partidA
Às quarenta companheiras que na última segunda-feira no Rio de Janeiro se dispuseram a pensar mais.
Ultrapassado
Em outubro de 2014, Carla Rodrigues publicou uma crítica à ideia de partido político intitulado “Posições sobre a Forma Partida” http://www.blogdoims.com.br/ims/posicoes-sobre-a-forma-partida
Nesse texto ela diz que
“o verbo partir carrega uma impressionante polissemia na língua portuguesa. A partir dele, posso falar em início, como na formulação com a qual começo essa frase; ou naquele que partiu, porque foi embora ou porque dividiu algo; e também naquilo que se desfaz em múltiplos pedaços, se quebra ou se desfaz em inúmeras partes. Aquilo que está partido está também fragmentado. No entanto, o dicionário ensina que o termo partido equivale ainda a: “organização social espontânea que se fundamenta numa concepção política ou em interesses políticos e sociais comuns e que se propõe alcançar o poder, associação de pessoas em torno dos mesmos ideais, interesses, objetivos”.
Carla Rodrigues aponta aspectos para nos colocar diante da complexidade da questão política relativamente aos “partidos” com os quais constantemente nos sentimos insatisfeitos. A insatisfação das consciências parece algo inevitável relativamente à própria natureza do que se estrutura como “partido”. Para Carla Rodrigues não podemos esperar deles nenhuma unidade: “Partidos políticos são, na melhor das hipóteses, associações fragmentadas por interesses diversos, e nesse sentido, fazem justiça aos múltiplos usos do verbo partir.”
Isso significa que partido é uma forma política difícil para quem tem críticas ao poder. Não quer dizer, no entanto, que partidos não devam existir como se pode pensar às pressas. Talvez queira dizer, sobretudo, que um partido não é nada de mais. No entanto, não fica claro, na análise de Carla, se um partido é algo de menos. Essa indecidibilidade, a meu ver, é proposital em seu texto tão rico e, ao mesmo tempo, fragmento (no sentido da “poética do blog” que, enquanto filósofas, usamos hoje em dia). Carla não quis resolver essa questão dizendo não ao partido. Não disse sim. Creio que, como na segunda-feira, quando nos encontramos todas para pensar, disse talvez. Mostrou, de qualquer modo, com seu texto de meses atrás que um partido pode ser bem pouco. Um partido pode estar ultrapassado. Um partido pode ser pouco e precisamos pensar nisso.
Mais adiante, ela complementará sua posição com um aspecto mais grave: “Partidos estão partidos internamente e são apenas o ajuntamento de forças diversas organizadas em torno de um projeto de poder.” Grave neste sentido, pois não sendo nada de mais, nem nada de menos, ao mesmo tempo em que tudo se parte, não se parte o poder que continua sendo o núcleo do partido, que sobrevive em cada fragmento do que é partido, sem, no entanto, se partir. A forma partido não se parte ela mesma no que tange ao poder que a sustenta. Ou seja, não se parte totalmente. O que não se parte no partido é o poder. E essa é a sua contradição mais incômoda para quem gostaria de algo lógico. Ora, partido é sim, algo que serve ao poder, do jeito que o poder gosta, partindo-se para manter o PODER inteiro. Em termos simples, o partido é um dispositivo de poder usado pelo poder para continuar reproduzindo a si mesmo. Parte-se tudo, mas não se parte o poder. Então, quem não gosta do poder, vai, facilmente, antipatizar com o partido.
Lendo Carla Rodrigues sentimos que há algo de “ultrapassado” no partido. Tudo o que ela nos diz corresponde à intenção de criticar a “forma partida da democracia”, na qual o “povo é aquele que vota no representante de um partido cuja capacidade de governar em nome dos que o elegeram deve se manter inquestionável, em nome da sobrevivência da democracia.” Ela tem toda a razão em sua análise. Sobretudo, no ponto onde o partido é um “projeto de poder” que implica a governalidade inquestionável de quem se torna “líder” do partido, como se o partido fosse uma invenção que serve ao candidato e a quem interessar possa. Isso quer dizer, em termos simples, que o partido serve ao poder e o poder serve ao poder. Partido é praticamente um detalhe no caminho incólume do poder. Nada mais ultrapassado em termos de política do que um poder que cria dispositivos para se manter onde está. Pobre do partido na posição de dispositivo do poder. Sobretudo, quando não se questiona nem o partido, nem o poder.
Representação e Identificação
Carla Rodrigues tem toda a razão também quando nos fala de um assunto corrente, a chamada “crise da representação”. De um modo ou de outro, todos nos confrontamos com ela atualmente. Essa crise é experimentada, sobretudo, na impossibilidade que o particular tem de ser contemplado pelo geral, ou o geral realizado no particular. Essa crise é estética, por um lado, mas em termos éticos e políticos ela tem tudo a ver com “identificação”. Quem se “identifica”, sabemos, pode até filiar-se a um partido. Ainda assim, há quem, mesmo sem se identificar radicalmente, acabe por se filiar a um partido. O gesto de “tomar partido” em momentos tensos, pessoais ou culturalmente necessários não é incomum entre nós. Um partido, na lógica do nada de mais e nada de menos, também serve a esse tipo de momento que pode ser mais ou menos político dependendo de mil situações.
Verdade que costumamos achar que a “identificação” é sempre precária no contexto da crise de representação. E de fato é difícil que não pensar assim se nos parece que pessoas individuais vivendo suas próprias experiências costumam pensar mais e melhor do que em termos de pensamentos coletivos (perigo da política reduzida à propaganda). Daí que a “forma partida” dos partidos nas democracias não seja atrativa para pessoas que percebem contradições no campo da política partidária e que prefiram, por questões morais, manter-se fora. Ao manter-se fora algumas pensam nos termos do manter-se limpas, com o estômago a salvo das náuseas políticas de hoje. Outras, que fazem política alternativa de um jeito elegante e sincero, pensam que a vida fora da política institucional, fora dos partidos e do Estado, ou, sobretudo, fora da governalidade onde se pensa com o clichê de que o poder corrompe, é muito mais rica do que a forma partida. Isso pode ser verdade ao nível da experiência. Penso agora em um exemplo. Que o melhor modo de combater a cultura da exploração da consciência própria do poder e praticada pelos meios de comunicação como seu aparato ideológico, é a arte. Em termos retóricos: poesia contra a mídia. A poesia, neste caso, como sendo uma forma política. Um verso contra uma manchete das revistas e jornais idiotizantes, é sempre lindo de se ver. Mas, ao mesmo tempo, não podemos perder de vista que o lugar alternativo (ocupado pelas ações no cenário externo ao poder, dentre eles tudo o que é poético) pode ficar sempre em estado de subalternidade. Quero dizer com isso, que há momentos na história em que é preciso atuar com força, não com suavidade, ou numa dialética entre elas. Quero dizer também que o lugar sempre tido como “verdadeiro” dos que ficam à margem pode servir à sustentação do estado de coisas indesejável. Que um estranho tipo de conservadorismo pode surgir servindo dialeticamente ao que deveria, antes, ser destruído pela força alternativa. Se é força, por que ela cessa seu movimento? Talvez porque esteja apenas na posição de resistir. Resistir é preciso, mas há o momento em que é preciso avançar.
É um fato que as formas alternativas de se fazer política e lidar com o poder, mantém alguma coisa inteira contra o poder que a própria natureza do partido não contempla de modo algum. Talvez essa coisa que se mantenha inteira seja a dignidade. Mas a dignidade que é um valor fundamental também pode virar mera propaganda e servir à manutenção do estado de coisas como ele se apresenta. É preciso tomar cuidado com a santidade moral contra a política para que a própria política não morra por inação daqueles que não querem se misturar com ela.
Desidentificados nos mantemos limpos. Mas para que mesmo, tanta limpeza assim? Pergunto isso usando um tanto de retórica, um pouco de ironia, é verdade. Mas pensando nas pessoas que sofrem e morrem debaixo da política que nos sobrou, acho que a pergunta tem que ficar sem resposta para fazer pensar em nosso momento político.
Voltemos à questão da crise da representação. Uma expressão que nos ajuda também a entendermos a falência de ideologias ou visões de mundo em relação às quais as pessoas podem se sentir identificadas. Há, é verdade, os resistentes que ainda se identificam com comunismo, socialismo, anarquismo e outros ismos. Há os brutamonetes ignorantes que pregam o fascismo. A política não deveria ser feita na base de escolhas, mas essa parte do processo não pode ser negligenciada. E as pessoas escolhem a partir de cenas prontas a que dão o nome de referenciais.
Diante desse cenário em que se fala por aí em “perda de referenciais”, pensamos que são necessárias novas formas de fazer política. No texto de Carla Rodrigues essas “novas formas de fazer política” implicariam a “necessidade de crítica à forma partido, como a um de seus objetivos inerentes ao seu formato unificado: tomar o poder e, uma vez ali, reproduzir os mesmos mecanismos de exclusão que se pretendia combater.” Nesse caso, a forma partido se apresenta como tendo algo de enganador. O “partido” oferecendo unidade contra o todo, mas sobretudo, querendo ficar no lugar do todo não convence. O todo está indisponível. Ora, há algo de errado na efetivação da ideia de partido, todo mundo percebe. Não nos identificamos, então, estamos fora. O partido parece uma forma enganadora e mentirosa. Uma forma ideológica no sentido de cegueira branca, aquela do “Ensaio sobre a cegueira” que faz todo mundo achar que está vendo tudo claramente (percebo agora, escrevendo, que a questão da sujeira retorna, mas aí remeto a que leiam o livro de Saramago e vejam o filme de Meirelles). O mais engraçado é que, fora do partido, tudo não funciona de um jeito muito diferente, todos acham que olhando de fora o mundo é melhor e mais bonito. É um pensamento comum que não nos ajuda criticamente falando.
Se podemos, com Derrida, que Carla Rodrigues cita, aderir à “recusa das estruturas de representação” e afirmar e defender apenas “posições”, então temos na realidade concreta uma vontade de quebrar a coisa inteira que nos enganou quanto à sua “integridade”. Mas manter outra coisa inteira, o próprio fragmento que nós somos em relação ao outro, ao todo, ao que há, também é uma vontade que se expressa. Carla Rodrigues nos diz que “quem diz posições, diz contingência, evoca palavras como acidental, fortuito, aleatório, imprevisível, indeterminado. São formas que não cabem em partidos políticos cujas premissas devem estar previamente estabelecidas em plataformas fechadas.” O partido parece, nesse caso, ser um bloco fechado e, de fato, como que efeito de uma “forma” obsoleta, pois que de “partido” resta apenas o fragmento proposto como totalidade. No fragmento “partido” sobrevive uma espécie de nostalgia do todo que finge estar presente quando, na verdade, serve apenas para ocultar a sua própria falta.
Nossa filósofa tem razão quando diz que “a forma partida nos mostra partidos incapazes de nos representar” e isso “porque talvez a política feita a partir dos partidos primeiro exija uma totalização a partir da qual a política passa a ser feita por lideranças partidárias, instâncias de representação de um conjunto que foi forjado a fim de criar a liderança.” Ou seja, o partido serviria à criação de um grupo organizado na intenção da adoração de um líder. Uma massa criada para a propaganda populista/personalista ou de candidatos que precisam de uma legenda. Chega a dar náusea, dirão muitos. Esse grupo fechado em bloco seria criado dentro de uma expectativa “fálica” de um poder inteiro que se fragmenta apenas como um “alien” que reproduz seu DNA, que põe mais e mais ovos parasitando a sociedade. O partido sempre finge que é inteiro, que agrega, porque se entende com um poder que desde sempre se apresenta assim, como algo da ordem do “total”. O nosso partido, assim como o nosso time de futebol, é melhor do que o dos outros.
Assim é com o poder desde sempre. O poder tem tudo a ver com estruturas totais: o patriarcado, as religiões monoteístas, em termos econômicos, o capitalismo. Éticas e estéticas servem a essa política do “total”c omo exercício do poder em seu sentido de coisa que quer permanecer inteira e sem fendas. Fica a questão do que fazer com o poder se isso é parte do seu jogo. Se o poder tem que ser assim. Se poderia ou não ser diferente.
Em termos simples, a questão é entender se o poder poderia ser compreensivo e não abusivo, se poderia ser participativo e não competivivo, se poderia ser democrático e não autoritário. Não será porque partimos esse total, não será porque o rachamos que ele não se torna autoritário? Não seria o caso de perguntarmos quando seria preciso juntar, quanto seria preciso separar? Me parecem questões que são problema na “forma partida” da democracia e que precisam ser sempre recolocadas pois não ganhamos a “história” e a “cultura” prontas. Temos que inventá-las a cada dia.
#Partiu
Estou pensando com Carla Rodrigues e dialogando com alguns momentos de seu texto. E é quando chego ao seu fim, que encontro um trecho que nos permite pensar na direção de outras formas de fazer política: “propostas de democracia direta, formação de conselhos populares, reconhecimento de um parlamento pautado principalmente pelos seus próprios interesses são só alguns dos sinais – não exclusivos da política brasileira – de que partir, quebrar, fragmentar, fraturar caminham ao lado de designações como dar início, começar, lançar-se, pôr-se a caminho de um certo destino.”
Nesse ponto é que podemos dizer que talvez a forma partida da democracia não possa ser transformada. Talvez não seja desejável, talvez não seja possível. Talvez não faça sentido unificar a forma partida, daí o partido como unidade contraditória. Claro que o campo do partido tradicional tem algo de obscuro. Mas é claro também que a forma partida tem algo de processual em termos de ação. E é isso que podemos perceber na intenção de novas formas de fazer política. Quando penso nas novas formas não me refiro apenas a formas alternativas que, na repetição, podem se tornar “conservação” e, num descuido, perder a força de resistência que elas tiveram de ocupar em tantos contextos. Verdade que a resistência precisa também ser preservada e conservada, mas apenas para criar chão para a revolução.
Por isso, proponho pensar um pouco mais na forma partida da democracia na continuidade do que foi proposto por Carla Rodrigues.
Quando fazemos um grupo de ciclismo ou uma marcha das vadias, estamos partindo. Partir é próprio da ação. Não da pseudo-ação, a ação repetitiva exemplar do consumismo e de outros conservadorismos. Partir é próprio da ação política democrática que implica dissenso, heterogeneidade, singularidade. Que faz pensar em partilha e com-partilhamento, em com-partir, em com+par+tido, e até em algo do teor do par+ido.
A todo momento, a cada ação política, assim como em toda ação artística, nós “partimos”. Isso quer dizer, entramos em processo. Esse processo é movimento. Não há movimento sem salto. O salto é mais ou menos perceptível, depende da intensidade do movimento. Mas o que pode ser esse “partir”? Que salto é esse?
Em gíria contemporânea os jovens dizem #partiu como dizem “bora-lá”, como quem diria, de um jeito menos divertido, simplesmente “vamos”. Mas o afeto que move o #partiu ou o “bora” não é o mesmo do que nos faz dizer “vamos”. Quem diz “podemos” diz “PODEMOS”.
Dizer “com” + “partir” quando se pensa em um partido é dizer outra coisa. Nesse caso, não se pensa no que se quer com/partir exatamente, porque a forma está acima do conteúdo, se quer partir em direção a algo, se quer sair de algum lugar, se quer deslocar, se quer alguma outra coisa, qualquer coisa. E, sobretudo, com qualquer um.
Esse é o clima da ação de nosso tempo. O afeto do nosso tempo, no sentido do acontecimento entre os corpos, no trânsito corpóreo concreto, no cenário em que as vontades e desejos entram em luta e dialogam é esse. Estamos todos com+partilhando (em redes sociais como o Facebook, por exemplo, está em jogo esta lógica, de que é possível compartilhar de tudo: informação, comunicação, afeto e poder, mas poder partilhado não é mais poder simplesmente…).
Alguma coisa que morreu na interioridade do “partido” tornou-se uma ação mais direta, mas pública, algo do teor do com+partido. É essa energia psíquica/ espiritual/corporal que faz parte da nossa época. Época, aliás, em que massas dão lugar a multidões. Multidões que se libertam e que se perdem e que se refazem, mas que estão acordadas, mesmo que não estejam lúcidas, mesmo que estejam confusas, mesmo que possam, muitas vezes, ser capturadas e reconduzidas a posição das massas humilhadas (tornar-se um fascista é ser humilhado politicamente sem perceber que o é) sem que se deem conta do que fazem. Vivemos uma época em que ninguém mais quer ser representado simplesmente. Em que cada um e todo mundo quer estar junto, fazer e mudar sendo sujeito e ator da própria história. Uma época em que todos com+partilham. E #partem.
Com+partilhar diz algo do modo de ser e agir em nossa época. Isso configura outra ontologia política. É nesse sentido que as redes tem ensinado algo à politica, em que pese a aparição inquietante de fascismos. O que está em jogo é que estamos juntos e misturados em ação comunicativa e informativa enquanto essas ações são totalmente políticas. Fazer política com consciência – ou contra-consciência – hoje em dia, implica esse saber.
Na forma “partida” está a verdade íntima que nos faz partir, partilhar, compartilhar, participar. Qualquer movimento, qualquer onda, qualquer comunidade, implica a forma partida. E, por isso, é que podemos nos perguntar: e se o partido tradicional com suas contradições inevitáveis, vier a dar lugar ao que é a sua verdade mais íntima? E se a forma partida elevasse a “partida” à conceito, tendo em vista que a “forma partida” não se reduz ao partido político? Me parece que o que Carla Rodrigues aponta ao fim de seu texto pode nos levar a pensar assim. Que o partido é tão partido que pode ser partido mais uma vez, mas de um modo outro. Pode ser que ela não goste da minha leitura. Não creio. Mas eu leio assim o que ela diz, e invento (afetivamente) um pouco do que leio porque filosofia é também criação de conceitos em diálogo com o pensamento do mundo.
partidA
Ora, um outro partido que instaura a verdade da forma partida, pode ser chamado de “partida”.
O que está em jogo, portanto, é a complexidade substancial da “forma partida”. Não a “fôrma” que “partida” resulta em fragmentação. Não apenas, na contramão, a reunião dos fragmentos que juntos dão um ponto de “partida”. Embora isso tudo esteja em cena no tempo das formas partidas.
A meu ver, a diferença a ser explorada na política que se deseja hoje está na diferença entre o que é simplesmente “partido” e aquilo que pode ser a “partidA”.
Daí a ótima questão do feminismo que até hoje intercalou revolução e resistência. Um partido feminista, por exemplo, é, de fato, uma contradição que vale como ponto de partida para pensar o poder e o modo de ultrapassá-lo. Mas a “partidA” que pode parecer apenas uma brincadeira semiótica, tem mais a nos dizer.
Quando o feminismo entra no poder ele não cria partido, ele cria partidA. Ele usa a rachadura, a fissura, a quebra como sua imagem e seu símbolo. Ele enfrenta essa lógica do irrepresentável pelo partido como sempre foram, aliás, as mulheres na história da política e do poder.
Proponho, portanto, num experimento teórico-prático elevar a “partidA” a conceito capaz de criar ação. E o partir, e o partilhar, e o compartilhar, como movimento interno dessa ação.
A expressão “partidA” é a inversão do jogo para fazer pensar justamente no jogo político, no jogo do poder a ser superado. Um jogo que se joga de outro modo, sem esquecer a equipe adversária. Em que se conhecem regras para poder alterá-las. Em que a regra, inclusive no seu singelo jogo gramatical, é invertida para acionar outras “posições”. A posição dos secundários, dos inessenciais para o jogo habitual da política, dos subalternos, dos excluídos. Penso que é preciso a partidA para chegar ao poder naquele lugar mais caro ao patriarcado, o poder de governar. Chegar para rachá-lo ao meio. As mulheres são o primeiro sujeito histórico a perceber isso. Elas se deram conta de que eram governadas por quem não as representava. Por quem as impedia de ter direitos. Esse saber que temos hoje não pode ser jogado fora no atual momento histórico em que ondas antifeministas e fascistas se enlaçam num cortejo fúnebre mais uma vez contra todos os oprimidos.
O movimento feminista, no seu caráter infinito, é a própria partidA como ação interna criativa e gerativa de um outro poder, um poder rachado ao meio, um poder cuja palavra é PAR+IDA. A política do feminino que é o feminismo não pode “parir” o seu algoz. Ela pare outra coisa. Não há repetição, há ação e essa ação é urgente.
partidA não é mero poder, mas outrA potênciA.