Oscar Niemeyer – Correções e conflitos

Oscar Niemeyer – Correções e conflitos

Arquiteto alia-se à geometria para a construção de um ideal feminino do estilista Narciso Rodriguez 

O estilista Narciso Rodriguez supera a si mesmo ao projetar não uma imagem de si, mas a de um eterno feminino. Paradoxalmente, essa é a sua salvação. Narciso vive de musas à sua revelia, como uma questão de sobrevivência. Seu modelo é o corpo feminino.

Filho de cubanos e criado em New Jersey, Estados Unidos, aos 43 anos Rodriguez tornou-se um dos estilistas mais aplaudidos no mundo todo ao transportar a herança de sangue latino para recortes minuciosos e tecidos levíssimos, exaltando a sensualidade feminina.

Num ávido jogo de consumirem suas peças ou simplesmente deixarem-se consumir por elas, atrizes como Sarah Jessica Parker, Julianna Margulies ou Kyra Sedgwick apontam o estilista como o número um da moda. Rodriguez rompe o estereótipo do latin lover ao levar para a moda a sublimação da mulher.

Para lançar seu perfume, Narciso for Her, o estilista veio a São Paulo no final de junho. Não é a primeira vez que ele passa por aqui. Em suas diversas viagens ao Brasil, para visitar amigos, aprendeu a se comunicar em português. Num portunhol de poucos nuances, rosto afeitado e um eterno sorriso de dentes brancos, Narciso declara: “Eu amo o Brasil”. “Quando ouço as canções brasileiras, em vez de cantar junto, eu choro”, diz o estilista enquanto toma um gole do chá Lady Grey, sentado em seu quarto no hotel Fasano.

Além das havaianas que traz nos pés, Narciso encontra outras inspirações brasileiras para suas curvas de papel: “Eu gosto muito dos desenhos de Oscar Niemeyer. Sua arquitetura é o reflexo de um trabalho intelectual a partir de uma maneira muito humana de ver as coisas. Um homem que gosta de uma mulher inspira-se na sua bunda e faz um arco para um sambódromo. É lindo. Muito intelectual, passional e humano”, afirma.

Adepto do desenho clássico, Narciso vê em Niemeyer a beleza de unir o traço orgânico do corpo da mulher latina à sinuosidade de suas linhas arquitetônicas. Ele tenta resgatar a forma de vida latina para buscar a beleza perdida, tentando fugir de estereótipos comuns. Até de seu nome.

Com o mesmo nome de seu pai e de seu avô, conta que, quando era criança, morava em New Jersey rodeado de espanhóis, português e italianos. “Até então ser Narciso não era problema. Depois, quando fui morar entre ‘Toms’ e ‘Jimmys’, passei a odiar meu nome. Mas hoje não é um problema para mim, claro.”

O estilista foi estudar design na Parsons de Nova York e, a partir daí, diz ter-se preocupado cada vez menos com seu nome para pensar cada vez mais na construção de sua musa, com os vários fragmentos de mulher que o inspiram. Como nos moldes de costura que se espalham sobre a mesa como pedaços de corpos, o designer diz captar diferentes aspectos de diversas mulheres, “criando uma espécie de monstro Frankenstein”.

Um pedaço da alegria de Gal Costa, um pedaço do sorriso de Gisele Bündchen, Sara Jessica Parker… E Narciso vai somando na balança. Garante que não as vê como artistas, e que esses pequenos adornos que destaca para criar a mulher ideal não são clichês. “Elas são para mim mulheres comuns”, diz. E as busca em todas as partes, não apenas nos palcos, nas passarelas ou nos filmes.

Tem sempre à mão uma câmera fotográfica e diz também retratar pessoas desconhecidas que vê pelas ruas. Segundo Rodriguez, ele não faz isso para registrar tendências de moda, no qual diz não acreditar, mas as fotos atestam a singularidade de cada um desses transeuntes.

Coleciona, além de fotos, todo o tipo de materiais, que leva às fábricas de tecidos para que sirvam de inspiração nas próximas coleções. “Eu pego folhas velhas ou pedras e penso em novas texturas e cores. Nesse ano, eu estava nas Ilhas Canárias e mandei para uma dessas empresas que desenvolve tecido uma garrafa cheia de terra preta, com um bilhete: ‘A cor que você fez não é como a cor da lava que eu pedi. Eu quero como essa lava de verdade, que tem branco, preto, vermelho e marrom’. Eles sabem que eu estou falando de uma coisa nova, de fazer um preto novo.”

Ao reinventar o preto, Narciso renega o vermelho, que seria um clichê que simboliza a paixão. Diz gostar de preto e branco. Essas duas “não-cores” permitem a ele idealizar suas coleções. Segundo o estilista, o elemento gráfico é transportado para a mesa de corte e costura. “É como fazer geometria”, diz. “Quando era pequeno, eu era péssimo nessa disciplina na escola. Hoje, a minha geometria é feita com criatividade. Uma maneira de incorporar linhas e cortes para um corpo de curvas.”

“Eu não sou do tipo que vai colocar um esparadrapo na boca de uma modelo na passarela, ou simular sangue derramado”, diz ele. “Eu quero uma imagem de paz, positiva. Eu não gosto de criar moda que seja um choque. Hoje eu fui ao Masp [Museu de Arte de São Paulo] e vi uma pintura enorme feita nos anos 50, chamada Guerra, com uma cabeça decapitada. O mundo não mudou tanto, não? Gosto de coisas clássicas que se constroem com elementos modernos. Afinal, temos só dois braços, duas pernas… somos humanos.”

Narciso procura resgatar o glamour perdido em um mundo fast food. Ao contrário de Ronaldo Fraga, ele ainda cultua o mundo mágico da moda, fazendo da mulher sua fonte inesgotável de inspiração. Sua grandeza não está em olhar apenas para si, mas em dar uma nova dimensão à cultura latina, fazendo da moda um novo modelo para pensar o clássico em um mundo carregado de bombas.

Lucrecia Zappi
jornalista, colaboradora do jornal Folha de S. Paulo

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