Os brasileiros e a corrupção política
(Arte Revista CULT)
O país está afundado na corrupção, ninguém confia em partidos ou em políticos, no governo e no Congresso. Os brasileiros hoje vivem praticamente de indignação.
Começa a entrevista.
“Professor, de quem é a culpa por esse estado de coisas?”
– Sua, claro.
“Como assim? Não é dos políticos?”
– Veja, no segundo semestre de 2018, do mesmo jeito que em 2017, eu também fui dominado por uma constante indignação. Me senti ultrajado, revoltado. Pelo desempenho do Vasco. Mas, neste caso, eu tinha toda a razão do mundo. Primeiramente, eu não escolhi torcer para o Vasco. Como todo mundo sabe, times são como orixás, não é você quem escolhe, é ele quem escolhe você. Segundamente, uma vez estabelecido o vínculo, ele não pode mais ser desfeito. Um homem decente não muda de time, não importa o que aconteça, é um vínculo existencial. Na alegria ou na dor. No meu caso e ultimamente, trata-se de um sofrer constante provocado por uma escolha que em nenhum momento foi minha. Daí a minha justificada indignação.
No caso dos políticos, não. O pessoal da 55ª e das outras 54 legislaturas que a precederam não conseguiram os mandatos em concurso público nem na loteria. Não foi uma imposição do Imperador, do Papa ou do Lord Voldemort, apesar de parecer que sim. Nem se trata do resultado de um destino cósmico, do fado, da determinação do oráculo ou de alguma carma a ser expiado. A horrenda 55ª Legislatura e a assustadora 56ª que acabamos de selecionar, assim como todos os outros políticos brasileiros, são o resultado de escolha livre, pensada, regular. Se, com todas as proteções, liberdades e garantias para o exercício da escolha, os brasileiros continuam escolhendo políticos de baixa qualidade moral e intelectual, e só para lhes aporrinhar a vida, me parece que o problema não seja dos políticos, mas das pessoas que, podendo fazer escolhas melhores, elegem e reelegem seres mal-assombrados só para depois se confessarem apavoradas com o que têm.
Em 2018 todos esses revoltadinhos e enojados com os políticos recomeçaram o loop: procuraram de novo as piores pessoas possíveis nos piores partidos possíveis para formar a pior legislatura possível e os piores governos imagináveis. E, se já não estiverem esgotados de tanta indignação, que indignação política perpétua deixa a pessoa exausta, passarão mais quatro anos protestando e reclamando da vida. Deve haver algum gozo, que me escapa à compreensão, neste ciclo perpétuo de escolher os piores e depois reclamar que só os piores estão governando ou legislando.
“Mas as pessoas não estão se esforçando para fazer escolhas mais conscientes? Não acha que avançamos em momentos como este?”
– Não, em momentos como este, de indignação disseminada e a baixo custo, paradoxalmente, não avançamos para escolhas melhores. Se tivéssemos um Indignômetro bem calibrado e você perguntasse aos mais indignados qual foi a sua escolha política na recente eleição ou em que balaio de ofertas ele iria procurar políticos em 2020, a resposta demonstrará como regredimos. Um país que chega a cogitar Bolsonaro como presidente deve padecer de alguma anomalia moral bem grave. Pois eu garanto que este ciclo de indignação redundará na escolha de políticos piores e de partidos reconhecidamente desqualificados. Exatamente como o ciclo de indignação política de 2013, que era “para consertar o Brasil e contra tudo o que está aí” resultou na 55ª Legislatura que agora todos abominam. Não quero magoar os corações esquerdistas que me seguem (mentira, quero sim), mas a 55ª não aconteceu apesar das “jornadas de junho”, mas por causa dela. A eleição da 55ª e a “deseleição” de Dilma que a seguiu têm a mesma fonte no surto de indignação de 2013 a 2016. Assim como a “renovação conservadora” da eleição de 2018, que nos deu essa ainda mais pavorosa 56ª Legislatura se explica pela onda de furor moral contra a corrupção e os políticos que alcançou níveis gigantescos desde 2016.
“Melhor seria, então, as pessoas não ficarem chateadas e aceitarem que tudo que está aí está muito bom? É isso?”
– Melhor seria se, em primeiro lugar, os brasileiros tivessem a maturidade de se implicar no sistema político e não traçar um círculo falso ao redor da sociedade, moralmente elevada, para separá-la dos políticos, uns depravados. O sistema político tem a configuração que a sociedade brasileira quis ou conseguiu lhe dar. Com liberdade e de caso pensado. Se a sociedade brasileira não gosta da cara do seu sistema político, deveria começar a pensar que esta é a sua própria cara. Talvez devesse imaginar que antes de os políticos fazerem mal à sociedade é a sociedade que faz muito mal à política, escolhendo com o mesmo dedo podre de sempre. A democracia foi pensada para adultos, a cada escolha incumbe uma responsabilidade. Se o nosso sistema político anda mal, os brasileiros fazem parte desta equação.
Os brasileiros indignados fazem festa quando cai um Cunha ou um Renan. Ultimamente fizeram a festa com a queda de Dilma e a tragédia de Lula. Deveriam era enlutar-se, porque a cada um desses velórios políticos o que são enterrados são milhares, milhões de votos, dados graciosamente, com convicção e consciência, a essas pessoas.
Em segundo lugar, cada um investe a sua libido no que quiser, mas eu diria para os indignados, da esquerda e da direita, pouparem um pouco deste ímpeto e desta energia para fazer escolhas eleitorais mais refletidas, examinadas, qualificadas. Desculpem a rima patética, mas hoje parece que apenas de indignação e de corrupção se faz esta nação. Não é verdade. Ela também e principalmente se faz de boas, más e péssimas escolhas eleitorais. Principalmente das últimas duas categorias. Quer políticos melhores? Escolha políticos melhores. Se, depois, conseguiremos nos entender sobre o que significa “melhores”, aí são outros quinhentos.
(1) Comentário
Um coisa tenho a dizer. Para quem está se afogando até a ponta do chicote do torturador ou a ponta da sua baioneta serve como que uma tábua de salvação, e pouco para ele importa se depois irá ser torturado. É uma pena, mas parece ser algo muito real.