O sucesso da Flip

O sucesso da Flip

O Brasil que não lê está distante das ruas de Parati naqueles dias em que por elas caminharam os escritores Don DeLillo, Julian Barnes e Ha­nif Kureishi. Neste outro país mon­tado na geometria irregular da vila histórica, para durar apenas alguns dias , Eric Hobsbawm, Ruy Castro e Millôr Fernandes também distribuíram autógrafos e sorrisos. A primeira edição da Flip, Festa Literária Internacional de Parati, foi a criadora desse país diferente e efêmero, capaz de ignorar por uns dias as relevantes e inescapáveis discussões em torno das reformas gestadas em Bra­sília. Um país de cara boa, ou ao menos adequada, pelo cenário escolhido e pela organização demonstrada. A cidade contribuiu e os promotores, com uma verba de 800 mil reais, foram competentes e fizeram a sua parte. O resto ficou por conta do clima de confraternização entre escritores, editores e leitores. Foi o que precisou para dar certo.

Para Paulo Rocco, presidente do sindicato nacional dos editores de livros, a Flip vem somar-se ao sucesso de outros eventos literários, como as bienais, todos bem-su­cedidos. Então, esses eventos mostram que há interesse por literatura e um mercado consumidor. Como entender que existam aproximadamente duas mil li­­vrarias – na acepção clás­sica do termo – em um país com mais de 160 milhões de habitantes, sendo que 86 milhões são alfabetizados e maiores de 14 anos?

O Brasil da crise, do desemprego e do dinheiro curto explica apenas em parte o fato de as edições de um clássico como Crime e castigo, de Dostoiévski, pela Editora 34, terem vendido até hoje por volta de 16 mil exemplares. E que esse resultado seja comemorado como enorme proeza. Livros fundamentais não passam dos 2 mil exemplares. O país da televisão leva claramente para outros lazeres o pouco dinheiro que sobra. No diagnó­s­tico, sobram expressões como ausência de cultura, fracasso da educação, pouco ou nenhum hábito de leitura. Paulo Rocco sugere a criação de linhas de crédito para a abertura de novas livrarias, idéia rebatida por Luiz Schwarcz: “Acho que o mercado de livrarias deve ser encarado como outro qualquer, onde é preciso ter capacidade para se estabelecer e crescer”.

O editor Aluizio Leite, da 34, diz ser necessário criar campanhas de longo prazo. Ele acredita na criação de bibliotecas comunitárias, “nas quais a população possa escolher os livros de acordo com seu gosto”. “As livrarias intimidam algumas pessoas e elas se interessariam mais se participassem da montagem das bibliotecas”, conclui. Associado à melhor distribuição de renda e à educação, o aumento de bibliotecas públicas deve ser um objetivo dos editores, diz Schwarcz. Os três editores acreditam na criação de bibliotecas pú­blicas com a forma de centros de formação cultural, que promovam seminários, discussões e busquem a in­tegração da comunidade em torno da leitura, uma das soluções para a democratização do livro. Existem ho­je no Brasil aproximadamente 4 mil bibliotecas públicas e algumas delas às moscas, por falta de interesse e do acervo desatualizado.

Paulo Rocco cita a Lei do Livro, que depois de 6 anos tramita com todas as possibilidades de ser aprovada, uma ajuda importante de expansão do mercado, mas Leite ainda não conhece bem a lei e Luiz Schwarcz, da Cia. das Letras, não se interessou em conhecê-la, por não acreditar “nesse tipo de muletas”.

Parece que não há muitos pontos de acordo, mas os três editores acreditam que a criação de bibliotecas pú­ blicas como forma de centros de formação cultural, que promovam seminários, discussões e busquem a integração da comunidade em torno da leitura, é uma das soluções.

Há sempre motivos para discor­ dância e nem todas as convicções coincidem. O importante é que se discute. Parati voltou a ser Brasil co­mo todo o resto. Pelas ruas de paralelepípedos passam pessoas mais interessadas no artesanato local ou a caminho das ilhas. Poucas têm um livro como companhia, mas, quem sabe, para o ano, Parati estará mais perto. Ou o Brasil menos longe.

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