O que restará da Lava Jato?

O que restará da Lava Jato?
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Eduardo Figueiredo/ Mídia NINJA)

 

No dia 7 de agosto, a juíza Carolina Lebbos determinou a transferência do ex-presidente Lula para a penitenciária II de Tremembé, estado de São Paulo. A pedido da Polícia Federal, a juíza, que havia negado anteriormente direitos do ex-presidente como o de velar o corpo do seu irmão e impor uma série de restrições injustificáveis para ida ao velório do próprio neto, foi o instrumento pelo qual a Lava Jato quis demonstrar força após as revelações dos diálogos entre seus membros.

Como se sabe, o STF impediu essa ignomínia, mantendo o ex-presidente custodiado na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Essa semana, os procuradores que atuam na operação assinaram um pedido que, entre outras coisas, alerta a juíza para o fato de que Lula faz jus ao regime semiaberto. Entre a decisão que determinava a ida do ex-presidente a uma penitenciária de segurança máxima e a mais recente manifestação dos procuradores lavatistas, passaram-se apenas dois meses. A operação, notória pelo completo desrespeito aos direitos dos que por ela foram processados, agora reconhece um direito ao seu acusado mais famoso.

Essa mudança levantou uma série de questionamentos. O que pretendem Dallagnol e seus asseclas (15 procuradores assinam o documento de pouco mais de uma folha) ao dizer que o ex-presidente tem um direito? Evitar o julgamento pelo STF do habeas corpus que pode anular a sentença do caso do tríplex? Seria a ação um reflexo da mudança de ares na política e na cúpula do judiciário que tem “cortado” as asas do lavatismo?

Independente do que motivou a inusitada manifestação, trata-se de direito do ex-presidente a progressão do regime a ele aplicado. Bem disse o jurista Geraldo Prado que esse debate sobre semiaberto, ao fim e ao cabo, termina por contribuir para tentar apagar o fato de que esse cárcere é completamente ilegal, porque baseada em clara ofensa ao texto constitucional ao se permitir prisão antes do trânsito em julgado, sem a presença de qualquer dos pressupostos e requisitos da prisão preventiva.

Creio que a manifestação do MPF tenta a um só tempo melhorar a imagem da lavajato na opinião pública internacional, retirar a urgência do STF em julgar a suspeição do ex-juiz Moro e ser uma tentativa de reassumir o comando dos fatos, perdido tanto pelo estrago das matérias veiculadas com os diálogos dos seus integrantes, tanto pela perda considerável de apoio no Congresso Nacional e até mesmo em parte do Poder Executivo – com a desmoralização política do ministro Moro e da reação de parte do bolsonarismo contra os métodos lavatistas empregados contra seu filho mais velho e sua esposa.

Outro ponto a ser notado dessa manifestação é o tempo em que foi lançada, justamente após relevante decisão do STF corrigindo uma das inúmeras ilegalidades praticadas pela operação e a revelação do ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, de que havia entrado armado na Suprema Corte para assassinar um dos seus ministros. Este último fato deu uma estarrecedora medida do grau de insanidade com que atuavam esses servidores. Janot não apenas acobertou as aberrações jurídicas da operação e era um importante ponto de apoio para Moro e Dallagnol, como se valeu dos seus métodos para tentar derrubar Michel Temer.

Apesar de todos esses fatos e circunstâncias, a Lava Jato está longe do seu epílogo. A aberração jurídica que tornou automática, portanto sem necessidade de fundamentação, a prisão em segunda instância talvez seja uma das grandes edificações lavatistas ainda de pé, talvez porque sustentada sob as bases da conivência e covardia da própria Suprema Corte.

Ainda que anulem a sentença que condenou o ex-presidente, várias outros pilares da operação ainda ficarão de pé enquanto o STF não corrigir erros pelos quais contribuiu ou mesmo deu causa, para atender ao projeto de poder e à insanidade paranoica dos lavatistas.

Vê-se, portanto, que a prisão de Lula é mais um entre tantos outros problemas que o sistema de justiça tem em mãos após ter flertado, aceito e sido parte dessa onda de insanidade e autoritarismo chamada Operação Lava Jato. E a revelação homicida de Janot, uma pequena e abjeta amostra de que para esse tipo de pensamento não há qualquer limite ético, legal ou moral a preponderar sobre o exercício de suas funções e seus impulsos mais primitivos.


PATRICK MARIANO é advogado criminalista, mestre em direito pela UnB e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP

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