O caleidoscópio de Tales Ab’Sáber
(Imagem: Reprodução/ G. Hunt)
Comentar a monumental obra de Tales Ab’Sáber é para mim desafiador por diversas e variadas razões: por Tales ser quem é, por um sobrenome que evoca, acredito que à sua revelia, uma aura de autoridade e reverência. Narrando, mas ao mesmo tempo questionando toda a tradição evocada pelos cânones da interpretação do Brasil, seu O soldado antropofágico rumina, devora e regurgita a violência total, característica da arquitetura colonial, traduzida pela racialidade que prescreve liberdade, fraternidade e igualdade aos eleitos enquanto esmaga, sufoca, esgana e asfixia a maioria de proscritas e de proscritos, para usar as imagens e os signos tão eloquentes do tempo de pandemia que vivemos.
Em um texto de primorosa erudição, produto de mais de uma década de reflexões e trabalho renitente, expressão de uma vida dedicada ao pensamento em suas multifacetadas dimensões, esse compêndio de reflexões sobre a modernidade de uma nação pretensamente “amorenada, cordial e democrática” impressiona, sobretudo, pelo evidente esforço para ultrapassar as obviedades ululantes, pela coragem implicada no texto, que escava os subterrâneos de tanta coisa assentada, cristalizada e há muito tempo intocada.
Do meu lado, habitando um lugar um tanto ambíguo, por ser uma mulher preta, professora em uma universidade pública federal, reduto de reconhecida e estereotipada intelligentsia, atuando inclusive no mesmo campus universitário que Tales, afirmo que ler o seu trabalho suscitou uma avalanche de sentimentos e emoções, impulsionando-me a uma verdadeira j
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