Matar ou Morrer?
Capa do livro 'O circuito dos afetos', de Vladimir Safatle (Reprodução)
Matar ou morrer (High noon) é um faroeste “psicológico” de 1952, dirigido por Fred Zinnemann, com Gary Cooper no papel do xerife Will Kane. Ao saber que uma gangue de bandidos que ele havia prendido retornará à cidade para matá-lo, Kane foge com sua esposa. Mas algo indiscernível detém seu gesto e ele retorna à cidade para enfrentar seu destino. O filme acontece em tempo real, com várias intercessões do relógio, que escoa as horas antes da chegada do facínora. Nesse tempo Kane procura ajuda entre seus amigos e constata, desesperado, que o medo fala mais alto que os interesses individuais e que a necessidade de proteger a quem se ama torna todos, compreensivelmente, covardes. Nesse ponto de desamparo ele enfrenta, sozinho, a turba de bandidos.
O novo livro de Vladimir Safatle, O circuito dos afetos, bem poderia ser lido como uma “refilmagem” desse western clássico. Ele começa com a desativação de nosso consenso político, dominante no Brasil de hoje, de que o medo deve ser nosso afeto político hegemônico. Contudo, para além de matar ou morrer, do ódio e do amor, da angústia e da fraternidade, das paixões alegres e tristes, reside este afeto esquecido, ainda que fundamental em Freud, chamado desamparo (Hilflosigkeit). Trata-se nada menos do que redefinir a política a partir dessa afetação de nossos corpos e de superar a parceria covarde e mórbida da política hobbesiana entre medo e esperança.
“A política é, em sua determinação essencial, um modo de produção de um circuito de afetos, da mesma forma como a clínica, em es
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